Sunday 20 February 2011

AND THE OSCAR GOES TO...

DO JÁ VISTO.


Daniel Piza, Estadão, 20/02/11
Os filmes favoritos para o Oscar deste ano, a ser anunciado no domingo que vem, não prezam pela originalidade. É o ano do “déjà vu”. Na semana passada comentei o romantismo “over” de Cisne Negro, com seus recursos básicos ao contraste de branco e preto e aos espelhos quebrados, e o filme de boxe O Vencedor, na linha “família maluca também é família”. Antes já tinha comentado A Rede Social, que se concentra nas brigas sobre quem criou o Facebook. Nesta semana vi O Discurso do Rei e Bravura Indômita, dois filmes bem-feitos, mas o primeiro lembra outros melhores e o segundo é um remake comportado. O problema não é apenas o esquema binário e o desfecho previsível de cada um, mas sobretudo a superficialidade da visão, o comodismo de argumento e estrutura. Guerra ao Terror, vencedor do ano passado, era muito mais revelador sobre o cotidiano de um soldado e rico em cenas que emocionam e fazem pensar.

Não que não sejam bons filmes, alguma coisa entre três e quatro estrelas. O Discurso do Rei, de Tom Hooper, ganha vida quando Colin Firth e Geoffrey Rush estão juntos. O primeiro faz o rei gago sem cair nos truques rasteiros e mostrando que sua angústia em relação ao problema vem de seu caráter, não de sua vaidade. O segundo, que faz o australiano sem diploma que o ensina a lidar com a gagueira, tem momentos brilhantes, como quando responde à pergunta do rei, “Eu tenho uma voz?”, usando a pausa, o sorriso e o tom como poucos. O bacana do filme é mostrar que encontrar uma voz é muito mais que uma questão de dicas e exercícios; como aprender a escrever, é uma questão de confiar no que se tem a dizer e não sonhar com a solução completa. Há também os enquadramentos de Firth no canto de uma parede descascada, tradução do confronto entre a pompa de sua posição e o tosco da situação em que se meteu.

Mas uma ideia interessante e três ou quatro cenas de boa atuação são pouco para fazer uma grande obra. Sem ser um filme de época ou biográfico, ele se basta nesse conflito ligeiro que sabemos superado ao final. Os personagens do irmão, que renunciou ao trono como Edward VII para se casar com a plebeia divorciada Wallis Simpson, e de Winston Churchill, de longe o autor dos discursos mais poderosos da Segunda Guerra, beiram o patético. Mesmo o método do fonoaudiólogo amador, que envolve perguntas sobre traumas de infância, não dá espaço para autoexames maiores que o de lidar com a timidez de elocução. E em tudo o filme parece sugerir que a monarquia tem o papel de representar uma continuidade – como um teatro esnobe para deleite das massas – sem a qual a nação não seguiria. Nesse aspecto, prefiro a relativa precisão de A Rainha, com Helen Mirren. Mas um filme bem melhor sobre bastidores da realeza é As Loucuras do Rei George, com Nigel Hawthorne, baseado na peça de Allan Bennett.

Bravura Indômita, dos irmãos Coen, é mais cinema. É versão de um western que, apenas por ser mais antigo (1969), é chamado de “clássico”, do diretor Henry Hathaway. Uma sinopse possível diria que se trata de uma refilmagem na qual os Coen colocaram algumas de suas digitais: o humor, sobretudo nas falas, de uma certa eloquência ou formalidade que destoa daquele mundo brutal, e em algumas cenas como aquela em que Rooster Cogburn (Jeff Bridges) empurra com o pé duas crianças de cima de uma varanda; a violência mais gráfica, com mutilações em primeiro plano; e a recusa ao tom lendário, que já aparece na interpretação de Bridges, mais para cão velho do que para John Wayne, com seu andar arqueado e semblante impassível. Mas isso faria o espectador pensar que vai ver uma história criativa e engraçada, como Fargo – ainda o melhor dos irmãos Coen – ou mesmo Onde os Fracos Não Têm Vez.

Mas nem o original é obra-prima nem o remake uma “desconstrução”, como gostam de dizer os críticos. As pitadas de humor e desmitificação não passam disso, pitadas, e o que temos é a história de uma garota de 14 anos (Hailee Steinfeld) que quer vingar o pai e, com o federal e um “Texas ranger” (Matt Damon), atravessa território indígena para achar o assassino. Aos poucos, obviamente, o durão se deixa amolecer e, apesar de já não atirar e brigar bem, luta contra quatro inimigos e cavalga heroicamente sob o céu estrelado. Os Coen parecem querer os dois mundos agora: o das histórias lineares com vitória dos bem-intencionados e o das inquietudes formais e críticas satíricas. Ficaram mais perto do primeiro. Mas, por exemplo, se você pensar no que Clint Eastwood fez em Os Imperdoáveis, ironizando e ao mesmo tempo reavivando os westerns, vai verificar que não é preciso aderir à caretice.

Há nos cinco favoritos ao Oscar um medo do refinamento psicológico, de verbalizar ou dramatizar mais a fundo as mudanças interiores pelas quais os personagens passam, o que não significa perder leveza nem ação. Os protagonistas não são estereótipos; há um esforço de mostrar defeitos, desenhar nuances. Mas é insuficiente. A bailarina paranoica e aclamada, o pugilista que dá um “jab” e depois um “clinch” na família, o nerd antissocial que vira gênio porque inventa uma rede social, o rei gago que comove a nação por rádio, o caubói com coração – todos, apesar das atuações, se encaixam em enredos que contemporizam e consolam e, pior, parece que já vimos antes. Acrescentar maneirismos à tradição não é o mesmo que renová-la.

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