Saturday 29 January 2011

YERUSSHALAIM - THE CITY OF PEACE!


Pelas ruas de Jerusalém  


     Após 19 séculos, Jerusalém (Yerushalaim – cidade da paz) voltou a ser a capital de Israel quando da criação do novo Estado. Uma das quatro cidades santas (as outras são ­Safede, Hebron e Tiberias), o misticismo que a envolve nos faz participar de um silencio reverente ao caminharmos pelas suas vielas seculares.

     Jerusalém dista de Tel-Aviv apenas 61 quilômetros e a estrada é circundada de eucaliptos (Trazidos da Austrália), pinheiros (do Canadá) e sobretudo por grandes plantações de laranjas, abacates e até bananeiras. Israel exporta em larga escala os seus produtos cítricos e flores para o mercado europeu, além da lapidação de diamantes que tem seu comércio mais acentuado e constitui a principal indústria de Netanya – cidade próxima de Tel-Aviv.

     A maior estação meteorológica do Oriente fica localizada á direita da estrada, à esquerda, logo à saída de Tel-Aviv, a cidadezinha de Ramla, com seu casario modesto, ao mesmo tempo em que passamos também por uma pequena comunidade Yemenita (os maiores dançarinos e artesãos de Israel).

     O Hotel Diplomat em Talpioth está quase oculto no final de um belo caminho florido que vai terminar numa arborização luxuriante e que torna o local pitoresco, pastoral, embora num flagrante contraste com as suas instalações luxuosas e modernas.

     Entre os hóspedes estão Lotte e Mollie. Ambas são turistas judias e moram no Brooklyn, em New York. Por demais comunicativas, gosto de sua aproximação que vem ao encontro da simpatia que me inspiraram no inicio. Lotte traz a mãe, uma velhinha adorável que se chama Clara.

     Mostraram-me os braços e cada uma tinha o número do campo de concentração onde estiveram: Bergen-Belsen Auschwitz. Mollie era o número A-24.851 e Lotte A-8.276. Não obstante o tenebroso passado derramam uma alegria enorme e a única recordação de fogo que jamais poderão apagar são aqueles números, como uma chicotada de “Knut” na alma.

     Convidaram-me para conhecer o Muro das Lamentações e tomamos um guia para levar-nos a todos os lugares santos. Entramos pela Batei Mahse St., que conduz ao que resta do segundo templo. Lotte me estendeu um pequeno pedaço de papel e me disse para pedir por mim e meus amigos. Faço uma relação dos que consigo me lembrar e dobrando o “bilhetinho”, introduzo-o nas fendas do Muro. É esta a tradição entre os judeus que o visitam.

     Vejo milhares de papeizinhos incrustados nas gretas daquele local santificado. As mulheres, para rezar, tomam seu lugar à direita e os homens à esquerda, ficando separados apenas por uma grade baixa.

     Partimos em seguida para o Santo Sepulcro, subindo a Via Dolorosa que tem inicio naTorre Antonia e abrange a distancia de uns 500 metros. Tocamos no túmulo daquele que constituiu a base de uma das três grandes religiões que fazem com que Jerusalém seja considerada três vezes santa.

     A Via Dolorosa é estreita e melancólica e de ambos os lados proliferam lojas de artesanato em couro, peles e metais e quase todas são de árabes.

     Há rumor de prece no ar, enquanto um padre da Igreja Ortodoxa grega vela diante do túmulo. Turista vão entrando aos borbotões, acompanhados de seus guias que utilizam um “pot-pourri” de línguas para satisfazer a curiosidade de todos.

     No Sepulcro propriamente dito, só entram oito pessoas de cada vez, pois o espaço é restrito. Mais tarde dirigimo-nos ao Cenáculo (Sala da Última Ceia) que fica por cima doSarcófago de David. Logo descemos e divisamos o túmulo coberto com um pano de cetim vermelho e encimado por coroas de prata com rolo da Tora. Ouço os guias lembrar aos homens que cubram a cabeça bem como às mulheres que verifiquem se estão vestidas com decoro. Um dos turistas de tez trigueira e olhar vulturino protesta com veemência e se recusa a usar o “kepar”, a mitra judaica, dizendo-se cristão.

     O guia alvitra educadamente que é só por uma questão de respeito e que também não seria normal se ele, o guia, entrasse de chapéu numa igreja católica. O homem de olhar de abutre quase cria um caso ali, diante do lugar sagrado. De muito má vontade decide estender o lenço sobre a cabeça e assim fica resolvido o impasse.

     Jerusalém antiga é bela e tocante e oferece um contraste anacrônico com a moderna no lado ocidental e imponente sede do governo de Israel, pois aí é que ficam os edifícios públicos, como o Kinesset (Parlamento) que se destaca soberbo numa colina. Mais além o monumento símbolo: “Menorá” – enorme candelabro de sete braços.

     As revivescências amargas do aviltamento da pessoa humana, ou seja, as atrocidades praticadas contra judeus durante o nazismo estão em Yad Vashem, no Monte da Saudade, e expostas ali através de “pôsteres” gigantescos e fotos nítidas em cenas horripilantes de dantescas. Fujo daquilo tomado por uma depressão momentânea tão cruciante que me sinto meio judeu.

     Uma coisa é ler e ouvir sobre esse ou tal fato e outra é ver, embora através do documentário de um passado extinto, a comprovação de uma época das mais negras que a humanidade presenciou. Antes dispersos, acumularam-se no meu potencial afetivo, argumentos de passagem, talvez conceitos imediatos e precipitados sobre o povo israelita, mas ainda assim, sempre tocados de grande admiração.


     Agora, diante de tudo isso, cresce a admiração e a certeza de que realmente são o povo de Deus.

     O “Memorial Yad Vashem” tem no centro uma enorme pira que arde sem cessar e arderá eternamente em memória dos 6 milhões de vitimas que constituem a página vergonhosa da história contemporânea e que há de ficar na consciência dos povos que crêem num Deus.

     Ao redor, o nome de todos os campos de concentração e a quantidade numérica de imolados. Decididamente este não é um lugar em que se consiga ao menos sorrir ao se escutar a mais hilariante das piadas.

     O Museu de Israel é um conjunto que compreende o “Museu Nacional de Arte Bezalel”, o “Museu Bíblico e Arqueológico Samuel Bronfman” e o “Jardim da Arte de Billy Rose”, e é neste jardim aprazível que conseguimos suavizar um pouco a lembrança daquelas visões macabras.

     No “Shrine of the Book” (relicário do livro), que tem a forma redonda, ficamos admirando numa redoma uma cópia do livro de Isaias e no subsolo os pergaminhos dos manuscritos doMar Morto.

     Creio que precisamos divertir-nos muito esta noite para tentar anular aqueles momentos. É o que vamos fazer. Clara, a doce velhinha fica quieta no seu repouso no Hotel Diplomat. O “Khan Club” na David Remetz Sq. É uma espécie de caverna sombria toda construída de pedra bruta e parece mais um calabouço da idade média. O ambiente começa a esquentar com a chegada de um bando de turistas e gente do lugar: é fácil distinguir os nativos.

     Num palco improvisado ao pé das mesinhas toscas muito juntas, os cantores vêm apresentar suas canções de uma beleza tão pungente que desperta reminiscências nostálgicas. Observo as expressões fisionômicas de Lotte e Mollie a ver se vislumbro algum sinal de angustia, mas, qual, elas estão assanhadas e acompanham o coro cantando, também batendo palmas.

     Admirável povo este que consegue sepultar um tempo não muito remoto: o passado deAuschwitz e Bergen-Belsen.

     Anunciaram agora uma dança do folclore Yemenita e a leveza das figurinhas que surgem em trajes característicos e inebriam e enchem a alma. São perfeitas e sincronizadas nos seus movimentos de uma graciosidade sem par, não sugerem senão pensamentos de paz e amor.

     Consigo então, no ponto alto do espetáculo de danças folclóricas, reentrar na minha individualidade normal para sentir a beleza da noite artística.

     Saio reconfortado e Jerusalém parece já sonolenta, convidando-nos a voltar à cama macia do Hotel Diplomat.

     No outro dia, numa visita rápida, penetramos pelos corredores do Hospital Hadhassa com o objetivo único de atingirmos a sinagoga, onde estão as Doze Janelas de Chagal, cada uma delas representando uma das doze tribos de Israel. O pintor, que era judeu russo mas radicado em Paris, trabalhou vinte e sete meses nestas janelas que seriam um presente ao seu povo. Na verdade, elas refletem na policromia de seus vitrais a riqueza exuberante da arte de Chagal. Não é permitido fotografá-las.


     Nossa incursão pelas terras de Jerusalém não parou ai e até o cemitério militar foi visto e estranhamente não me deixou nenhuma depressão: achei-o até um recanto bucólico e agradável pela grama verdinha e bem cuidada e pelo arvoredo enflorescido a perder de vista.
     Por ultimo uma visita ao “Mea Shearim” – o bairro dos judeus ortodoxos – nos dá uma dimensão do seu radicalismo e agressividade contra o Sionismo: casas carcomidas pela sujeira e desgaste, muros batidos pelo sol dos séculos trazem em suas paredes frases como esta: “We are against Zionism”, “Zionism is not Judaism”.

     As roupas bizarras dão-lhes um aspecto sinistro e até as crianças que vimos transitando pelo bairro vestiam o horrendo casacão e calças negras, chapéu preto de abas largas ou e peles e os enormes cachos dependurados de cada lado das orelhas.

     São arredios e parecem nos olhar com desprezo ou desconfiança. Percebe-se que não desejam ser incomodados, tão pouco fotografados. O bairro é pobre e mal-cuidado e as lojinhas de quinquilharias quase sempre de uma porta só, o casal de velhos que nos atende numa delas não fala uma palavra de outro idioma a não ser o lidiche que usam na vida diária, sendo que o hebraico é reservado para as cerimônias religiosas.

     Por que teimam em permanecer herméticos e recolhidos ao seu mundo interior, tão estranhos na sua roupagem, parados no tempo como se vivessem ainda em plena idade média, sem se integrarem à vida hodierna?  Porque se revoltam contra o Sionismo que não é uma realidade política do momento, se teve sua origem muito antes da era cristã, quando os romanos ocuparam Jerusalém?

     A partir do século XIX os judeus retomaram a empreitada do restabelecimento de um estado autônomo na Palestina e que culminou com a criação do Estado de Israel, em 1948. Este é um problema a ser analisado, abrindo perspectivas para estudo e reflexão dos estudiosos da sociologia.

     Despeço-me de Jerusalém, ou melhor seria dizer-lhe: “leitra òt” (até logo) tamanho o desejo de retornar um dia para saboreá-la com mais vagar.
Belém é uma cidadezinha tranqüila que a gente fica conhecendo logo. Impregnada de poesia, nos sugere uma écloga (poesia pastoril) virgiliana. O interesse maior evidentemente é percorrer o lugar santo onde Jesus Cristo nasceu: foi lá edificada a Igreja da Natividade e, apesar de não nos transmitir a mesma imagem que conservamos da infância – a dos presépios onde o pequeno “Menino Jesus” estava sempre deitado entre palhinhas – ainda assim é com reverente unção que olhamos a estrela de prata plantada no chão que marca o ponto exato, segundo a tradição.



     Pela estrada poeirenta, numa quase reconstituição das páginas da Bíblia vão desfilando diante de nós pacientes jumentos que carregam no lombo árabes barrigudos com seus “khefiya” e albornozes ensebados. Um pouco além um pastorzinho apascenta as suas ovelhas que debalde procuram naquela aridez algum tenro raminho.



     As mulheres vêm e vão, caminhando lentamente, devido talvez ao estarem completamente cobertas por aquele véu – dissimulador de seus encantos, ou, quem sabe, escamoteador de suas imperfeições... Pareceu-nos que pelas aquelas paragens subdesenvolvidas a mulher ainda não abdicou da posição que a situa na família e na sociedade apenas como um veiculo destinado à procriação e aos trabalhos domésticos, além da cega obediência ao seu senhor, no caso, o marido.

     Em Hebron (aproximadamente 70 mil habitantes), bem próxima de Belém e segunda cidade santa para os judeus, mencionada até no Antigo Testamento, verificam-se os mesmos hábitos orientais, o mesmo ritmo de vida pacata e provinciana. É la que, na Gruta de Mahpela“habitam” os patriarcas Abraão, Jacob, Isaac, Sarah, Rebecca e Lia, num monumento pomposo.

     Não tivemos permissão para penetrar na Tumba dos Patriarcas e ficamos observando de fora a espécie de fortaleza.

     Na volta uma parada importante: é Rachel que dorme para sempre na estrada de Belém e o seu túmulo, em que estamos, lá ficou a recordar-nos a passagem bíblica de sua morte.

     Estou no alto dessa fortaleza tão cheia de significação para os judeus. Aliás, é difícil percorrer estes lugares todos e derramar a vista sobre estas colinas, estes mares e lagos, sem se tropeçar a cada passo na História Sagrada. Cada canto, cada rua, cada ruína guarda o vestígio das idades nos sinais de corrosão e injuria do tempo.

     Massada ressurgiu das escavações, trazendo para os arqueólogos poderosos subsídios científicos quanto aos aspectos da vida na época: lá foram encontradas 4 mil moedas e dezenas de outras em prata do período da Revolta, objetos de arte, arquitetura, cerâmicas, utensílios, fragmentos de rolo de papiro referentes ao Sagrado Templo e muitos outros manuscritos. Tudo isso veio lançar mais luz nas pesquisas históricas.

     Os Zelotes constituíam um partido judeu que não aceitava o jugo da dominação romana e foi em Massada que ficaram sitiados. Resistiram quanto puderam e eram apenas 960 pessoas entre homens, mulheres e crianças; quando o seu fim estava iminente, o líder reuniu todos propondo que se imolassem para não cair escravizados nas mãos dos romanos. E foi assim que cada um saiu massacrando a própria família e em seguida a si mesmo, restando então um único homem que, ao verificar bem se todos estavam realmente mortos, apanhou a espada e a mergulhou no próprio peito.

     Com os olhos da fantasia, “reconstituo” essas cenas que vão desfilando no écran (tela de cinema) da memória!

     Ao palmilharmos essa terra basáltica, pisando estes seixos que agridem os pés, mesmo calçados, talvez estejamos sobre uma plataforma que encerra nas suas profundezas os esqueletos dos 960 heróicos Zelotes, ainda não encontrados.

     Foi Herodes que decidiu construir a Fortaleza de Massada para preservar-se e aos seus do perigo e, segundo Josephus Flavius, o historiador, por dois motivos: o primeiro era que os judeus poderiam depô-lo e pôr outro rei no trono, e o segundo, por ainda, era o medo deCleópatra, a bela e não menos magnífica Rainha do Egito.

     As ruínas de seu Palácio estão ainda diante de nós evidenciando o luxo e o conforto de suas instalações: a grande piscina, a residência da família real que, segundo a planta, vimos ser o edifício numero doze, os armazéns, a casa de banhos, o columbário, as cisternas, as cozinhas; restos da Igreja Bizantina com um mosaico de desenhos em arabescos e asSinagogas, tudo isto atesta a magnificência de uma época.


     Lá embaixo um cenário de estranha beleza – o Mar Morto com suas águas quase imóveis, sem ondas, como um espelho refletindo a amplidão do céu tranqüilo.

     A escalada a Massada já se faz mais suavemente, pelo menos numa parte: um teleférico nos transporta até a primeira etapa e dali sobe-se na rocha, 80 degraus toscos, até atingir o enorme platô.

     Voltamos pela mesma estrada que atravessa o Deserto da Judéia. Não raro vêem-se algumas tendas de beduínos em repouso. Os seus camelos soltos vagueiam pachorrentos, mas de vez em quando quebram o silêncio, atroando os ares com seus bramidos.

     Do outro lado, o Mar Morto ladeia toda a estrada. Nenhuma vegetação em derredor senão a vastidão arenosa da Judéia e os depósitos salinos ao longo desse mar cuja água é sete vezes mais salgada que a de qualquer oceano. Ponto mais baixo na superfície da Terra (1.292 pés abaixo do nível do mar), apesar do nome, corre para restaurar a saúde dos mortais: sulfatos, carbonatos e vários cloretos dos reumáticos, artríticos, herpéticos,daí a razão de vermos dezenas de anciãos banhando-se nas suas águas miraculosas.

     A praia de Ein Ged é ponto obrigatório para turistas. Está coalhada de gente de todas as procedências e vejo em preparativos na areia alguns rapazes que se besuntam com uma lama quase tão escura como carvão antes de “flutuar” (é este o termo exato, pois não se afunda naquele enorme reservatório de sais).

     Qual a finalidade desta lama que lembra a de Araxá? A mesma é medicinal e restaura as forças, cura doenças da pele e outras, enfim, segundo depoimentos de uma dos enlameados, cura TUDO...
     Levo aos lábios algumas gotas de água do Mar Morto que paradoxalmente ajuda a viver e tenho que sair correndo para um bar próximo, a fim de dissipar o travo de fel que me fica na boca, tamanha a quantidade de sal.

     Depois de sentir na pele e no paladar aquela “salmoura” toda, apanho o ônibus de volta e meus olhos não cansam de observar através da janela panorâmica a paisagem agreste do Deserto.

     A primeira cidade que se avista é Arad, que não desperta muita atenção. Logo depois vemBersheva, que me pareceu mais cheia de vida e movimento.

     Lá atrás ficou Massada – símbolo do heroísmo e da coragem dos Zelotes. Nem religiões nem regimes através das idades podem mudar o caráter e o temperamento de um povo e este é o povo de Israel.

WALKING ON GOD PEOPLE´S LAND...


Israel – O Povo de Deus!  


     Meus olhos pousaram num passado de 4.000 anos, fizeram-me recuar no tempo e deram-me a dimensão da grandeza desta terra – Israel.

     De súbito uma aragem suave traz um cheiro penetrante que invade as narinas, um cheiro de terra adubada, sachada, inunda tudo: é a primeira impressão que se tem ao pisar Tel-Aviv.

     Quando digo terra, quero dizer que “isto” para os judeus é como se fosse mais importante que o próprio ar que respiram. Este cheiro de húmus fresco vem nos acompanhando pela estrada que passa pelo Aeroporto de Lod (Ben Guiron) – uma estrada muito bem sinalizada e iluminada a mercúrio.

     Eles tem agora uma terra que custou sofrimento e amarguras e que foi tão duramente reconquistada, mas que é o solo com que podem contar e onde deitar de novo suas raízes e cultuarem sua crença.

     Shalom é talvez a mais significativa das palavras e mais pronunciada pelos israelitas. Eles só aspiram à bendita Paz para que possam trabalhar e viver num canto seu, para que possam dizer como todo mundo, que já tem a sua pátria.

     Esta é a força telúrica que os mantém unidos na sua missão essencialmente histórica e espiritual perante o mundo.

     Falar de Israel poderá parecer assunto esgotado em termos de reportagem, porém, se se encarar a questão sob outro ângulo, com isenção do ponto de vista ideológico quanto à eterna dissensão entre árabes e judeus, prato diário dos jornais do mundo, torna-se cada vez mais fascinante escrever sobre Israel depois de ter presenciado o “milagre”.

     Este é, pois, um retrato fragmentado do país dos laranjais, num depoimento sincero e franco de quem o visitava pela primeira vez.

     A imagem que me ficou na retina é a de uma lembrança sentimental e amorável – sentimental pelo conhecimento de um povo sofrido, sensível e inteligente e que revela a sua hipersensibilidade até na música – um lamento de doces sons nostálgicos – tanto que suas canções sempre são escritas em tom menor.  

     A audácia é peculiar à juventude. Quem foi que disse isto ou qualquer coisa parecida? Não importa. O Sabra (israelita nascido em Israel) demonstra no olhar firme essa audácia, como se estivesse pronto (e creio que está) a desafiar o mundo para provar a sua condição de neonato num Estado que mal começa a engatinhar, mas que paradoxalmente foi estabelecido num dos locais mais antigos da terra.

     Conversando com alguns jovens percebe-se certa arrogância e orgulho até, ao comentar-se os acontecimentos do Entebbe. Queriam minha opinião. Claro que todo mundo sensato apoiou e vibrou com o episódio épico, quase rocambolesco de tão inverossímil que parecia.

     Os sabras não se entregam ao conformismo nem se rendem a um fatalismo estéril como o dos muçulmanos, que esperam pelo “paraíso” prometido por Mahomet onde as huris os aguardam...

     Sabra parece bem simbolizar o nascido no Estado pois é o nome de uma pequena fruta muito dura por fora mas doce por dentro.

     Muitos usam o chapeuzinho meio cômico, que é uma espécie de marca registrada e que chamam de “cova tenbel”, isto é, chapeuzinho bobo. De bobos é que nada têm. São, ao contrario, muito espertos e inteligentes.

     O primeiro passeio em Tel-Aviv foi a um bairro bastante afastado, mas muito pitoresco. Passando por Yafo (não a velha Yafo, ainda), o ônibus desceu toda a Yerushalaim Sderot, até atingir a esquina de Hart’s Rehovot.

     Vinha com uma incumbência do Brasil para uma pessoa que ali residia. A noite caía lentamente (a iluminação não favorece o bairro nem a entrada dos edifícios), daí ter-me enganado de numero, talvez. Os jardins à frente década prédio atrapalhavam mais ainda a entrada, e encontrar o número exato naquele emaranhado de plantas tornava-se tarefa difícil.

     Um grupo de garotos brincando na rua, apesar da quase escuridão. O bando se compunha de uns cinco, mais uma menina, somente uma menina. Todos muito falantes e o maior deles, que aparentava ter 13 ou 14 anos, muito espigado, de canelas finas como as de uma cegonha foi logo dizendo: Speak English?  Dei-lhes o nome de quem eu procurava e me levaram para ver nos quadros dos moradores, pois não havia porteiro. Tive que acender um isqueiro para que lessem os caracteres em hebraico, naturalmente. Muito excitados, nessa garrulice própria da infância em transição, quase brigavam para ver quem triunfava na “pesquisa”.

     A menininha do grupo só fazia sorrir e embora estivesse em meio aos garotos, parecia tímida. Não abriu a boca nenhuma vez.

     No 35, garantiram, não havia ninguém com aquele nome. Não seria no 33? Batemos para o 33. Assumiam ares de importância pelo inesperado que lhes conferia o encargo de guias turísticos. De fato, era no 33. Pularam de contentamento e percebi que, entre si, disputavam a primazia da descoberta.

     Nos bairros, geralmente edifícios de quatro andares não têm elevador e por isso os meninos ainda continuaram a sua missão de cicerones levando-me pelas escadas às escuras. O maior, pequeno líder em potencial, adiantou-se para se despedir e, ao fazê-lo, apontou-me a própria face com o indicador, pedindo um beijo. Fui beijando um a um e agradecendo: “todá rabá, todá rabá”. Quando chegou a vez da menina ela disparou pela escada abaixo, rindo sempre. Ah... Essa geração de sabrinas... (Existirá tal diminutivo?).


         Centro da vida cultural e política de Israel e a sua maior cidade, Tel-Aviv não é bela no sentido estético e arquitetônico. Como acontece com toda metrópole nova, os edifícios de linhas modernas e funcionais impessoalizam um pouco.

     O azul do mediterrâneo a enfeita e quebra a monotonia do pardo acinzentado das construções. As avenidas são amplas e arborizadas (o que não falta é árvore em Israel e é preciso ressaltar aqui o fato de que tudo era o desenvolvimento de um novo tempo).

     A Dizengof Rehovot (rua) é onde se concentra a população elegante e sofisticada. Lembra qualquer artéria das capitais européias onde os bares têm cadeiras nas calçadas. O comércio ali é também mais aprimorado e os magazines de moda exibem criações da alta costura.

     A inflação explodiu em Israel como em quase todos os países, porém se come bem sem se despender muitas liras. Considerando que o dólar valia LI 8,40, um almoço saía por três ou quatro dólares nos restaurantes comuns. Referi-mo a um almoço completo, com serviço, entrada, “piéce de résistence, incluindo o refrigerante típico “Excoliót”, ou seja, “Grapefruit”.

     A cozinha israelense, me pareceu, sofreu influencia da russa e da árabe no que toca às especiarias: é bastante condimentada.

     Essa terra tão generosa hoje, prodigaliza uma abundância dos mais variados legumes que entram na composição das deliciosas saladas mistas: tomates enormes, repolhos, pimentões, beterrabas, pepino, cebolas e a berinjela, que é muito prestigiada, aparece em diversos pratos da cozinha judaica.

     Como os nossos populares botequins, lá também existem esses pequenos bares que expõem em vitrines nas calçadas as suas especialidades.

     Para quem não estiver com a bolsa bem provida, poderá comer um gostoso “falafel” metido num pão pita a guisa de sanduíche, acompanhado do Excoliót.

     Isto não quer dizer que Tel-Aviv não esteja dotada de restaurantes luxuosos com cozinha internacional, como por exemplo, o “La Barchetta”, na DizenGoff 362, cujas especialidades são camarões e lagostas, peixes e rãs. Ou ainda a Pizzaria Rimimi (só para citar dois), que oferece 20 qualidades de pizza (fica no número 93 da mesma rua). Descobri até um restaurante que anunciava “feijoada carioca”, e com um nome bem brasileiro: Baiúca, só que mal localizado, nos confins da Yehud Hayamit, em Yafo, completamente isolado e tendo por vizinhos apenas um departamento da alfândega. Não cheguei a verificar a autenticidade do nosso prato substancial porque encontrei o estabelecimento fechado (só reabriria às 19 horas).
     Desisti da feijoada, embora tivesse certa curiosidade de saber se a proporcionavam com todos os complementos necessários.

     Surge um problema no “Sabbat” para o turista desavisado. É o dia santo de guarda do judeu e a partir das 15h05min de sexta-feira até sábado às 17h55min a cidade dorme, ou melhor, morre condicionalmente. Cessam os ônibus, principal meio de transporte, mesmo os táxis-lotação em que cabem sete pessoas e que denominam “sherub” desaparecem. O comércio cerra as portas, cinemas, teatros, restaurantes e bares, inclusive.

     Dificilmente se encontrará um táxi para qualquer ponto da cidade. Os bares que permanecem abertos (raros) são de árabes.

     Domingo ela ressuscita e o dia decorre normalmente como qualquer outro da semana. NaAllenbey Street 59 encontra-se, porém, o Tavi Akol (de judeus) que fica aberto aos sábados.

     Nos outros dias, para uma excelente refeição, pode-se ir também à Bem Yahuda 38, deBroina, a polonesa.

     Broina merece quase um capitulo a parte. Fiquei conhecendo através de duas judias do Brooklyn, suas primas. Foi a única pessoa que encontrei em Israel que refletia no rosto, no todo de sua aparência esquálida, os horrores por que passou na sua Polonia heróica, por ocasião do nazismo.

     Parece boa criatura, embora não pudéssemos manter uma comunicação maior, pois não falava uma palavra que não o hebraico e o polonês. Figura estranha, conserva sua dignidade de ser humano e está de pé para cumprir a obrigação de existir, mas não vive mais, é esta a impressão que nos transmite. Os olhos profundamente encravados nas órbitas parecem enxergar algo que ninguém mais vê, somente ela.

     Prossegue, solitária, com o seu modesto restaurante e às vezes senta-se em uma das mesas vazias para conferir seu “rico dinheirinho” que leva numa bolsa velha apertada debaixo do braço.

     Que pensamentos lúgubres carrega Bronia, de aparência fantasmagórica e ares de musa da tragédia? No seu restaurante o preço é fixo. Apenas 20 liras para um jantar completo, inclusive a deliciosa sopa “borshi”, ou outras variadas.

     O judeu nunca perdeu a sua individualidade característica e todos, em pensamento uníssono, sonhavam com a volta à sua terra. Jamais perderam a esperança no dia da remissão. Acolhidos por outros países, permanecem judeus, entretanto, embora assimilando a cultura, os hábitos e as leis desses países. É por isso que é muito fácil encontrar quem fale dois, três idiomas.
     Ocorre-me aqui uma frase do inimitável Eça de Queiroz: “O cosmopolitismo do verbo, irremediavelmente, dá o cosmopolitismo do caráter, por isso, o poliglota nunca é patriota”. Isso vem a dar quase no aforismo latino: ubi bene, ibi patria.

     É necessário considerar, porém, que o “globe trotter” sabe que tem para onde voltar quando cansar de suas andanças e é esta talvez a razão de não se preocupar tanto com seu país de origem.

     Já o judeu saiu pelo mundo não “bien pour s’ammuser” e sim porque fora miseravelmente escorraçado de sua terra e espoliado de seus bens.

     Israel é agora uma realidade fascinante e miraculosa no seu contexto humano e social. Todos trabalham para o bem comum, todos esperam pela paz definitiva, embora vivam cercados de todos os lados pelos ferrenhos inimigos – os árabes. Não se podia sair de Israel por terra porque os “lobos” espreitavam, prontos para se atirarem à presa valiosa.

     Desconfio que esta animosidade para com o judeu é uma questão também de invídia (sejamos benevolentes usando este vocábulo poético); o árabe não possui a mesma inteligência nem o mesmo espírito empreendedor capaz de transformar um deserto numa maravilha das “mil e uma noites”.

     Não se perdoa facilmente aquele que conseguiu ascender sobre o comum dos demais.
     Tenho uma calça para mudar o zíper e saio à procura de alguma oficina de reparos, alguma costureira de emergência. Bem próximo ao hotel vejo uma, entro, ou melhor, desço, pois a oficina fica no subsolo de uma velha casa.

     Um casal de velhos sorridentes vem me atender. Yetti Moshe são encantadores. Ela fala cinco idiomas, incluindo o russo. Ele é ucraniano e ela polonesa. Daí p’ra frente se passo pela sua porta, sou obrigado a entrar para dois dedos de prosa e tomar chá ou pelo menos um copo de Excoliót.

     Contam da unia filha, morta em Vilna, mostram retratos do neto, hoje médico residente nos Estados Unidos, vão desfilando casos, pitorescos uns, tristes outros, de suas vidas de sofrimento e opróbrio durante o nazismo até vir encontrar o sossego a dois nesta exuberante Tel-Aviv. Ao se despedir, beijam-me carinhosamente as faces.

     Como toda cidade que cresce e adquire foros de metrópole, esta também tem suas mazelas, o submundo do lumpen-proletariado. No “red light district”, junto às raias do Mediterrâneo, as luzinhas vermelhas começam a piscar ao por do sol. A “Zoná” (prostituta, em hebraico) como em qualquer parte do mundo, exibe a mercadoria bem à vista, no caso o seu próprio corpo, à espera do cliente em potencial. As que vi não eram belas nem tão jovens. Quando tentei fotografar algumas protestaram com veemência e armaram uma bulha tão estridente na sua algaravia que desisti e bati em retirada. Tive a impressão de que me atiravam impropérios em árabe, hebraico e sei mais o quê.

     Mendigos vi, mas poucos e velhos. Um em especial chamou-me a atenção porque andava sempre acompanhado de um punhado de trastes e de seu fiel companheiro de desdita – um vira-latas amarelo e arrepiado, mas suficientemente bem tratado para cachorro de mendigo. Fazia “ponto” na esquina de Carmel Market, na rua do mesmo nome. O Carmel Market é uma espécie de feira variada, mas não tão grande como a outra que chamam de Mercado das Pulgas (Shuk Hapishpeschim) e que não pode rivalizar-se com seu homônimo de Paris. Entretanto tem muita cor local e o artesanato é aprimorado e original.

     Um programa que o turista certamente apreciará é o de visitar o edifício mais alto de Tel-Aviv: Shalom Tower (38 andares) pela vista panorâmica que proporciona do seu terraço: pode-se ver toda a cidade banhada pelo Mediterrâneo sempre azul e, já esfumados pela distância, alguns contornos de Jerusalém. M todos os andares há lojas de moda, brinquedos, diversões infantis e um museu de cera bem menor que o Madame Tusseaud de Londres, mas igualmente impressionante pela perfeição com que compuseram as cenas que representam personagens da história de Israel.

     O povo é espirituoso, extrovertido e quase, poderia dizer, de temperamento latino e barulhento. Nos ônibus, a pressa na hora do “rush” lembra a nossa correria depois da luta diária. Alguns mais afoitos gritam quando o motorista dá arrancada: “regarega”, o que quer dizer em hebraico: “esperacalma!”.

     Sabe-se que uma ameaça paira no ar a julgar pelos “lobos” do outro lado das fronteiras, mas ninguém, pelo menos aparentemente, vive a situação à sombra de uma neurose.

     Vivem sim, as 24 horas intensamente,trabalham e se divertem como todo mundo. A única marca da guerra são as carcaças de caminhões e tanques espalhadas dos lados da estrada que liga Tel-Aviv á Jerusalém, como a querer fixar na memória das pessoas a lembrança sinistra dos seis dias.     
     O tempo tem se portado bem. Com exceção de um dia destes, somente um dia, graças á Deus. É que passou por aqui aquele vento morno e seco que chamam de “hamtzim”. Um calor sufocante e uma fornalha do inferno quebranta a resistência da gente e dá uma espécie de letargo mental. Sopra do oriente para o ocidente e informaram-me que não é fenômeno muito comum, chegando ao término da primavera e estamos no outono.

     Yafo, uma espécie de satélite de Tel-Aviv é um vivo contraste diante da cidade moderna que brotou do deserto. A antiga Jaffa é uma das cidades mais antigas do mundo e, segundo a lenda, foi lá que o borracho Noé construiu a sua arca.

     Yafo tornou-se uma capital artística de Tel-Aviv, tamanho o número de galerias de arte e artistas em pleno labor. Suas vielas tortuosas, suas mesquitas e casas em estilo árabe transmitem a impressão real do Oriente dos cenários de Hollywood. A vida noturna é intensa e os cabaré e boates regurgitam de turistas e boêmios locais. A atmosfera é a de sempre: penumbra, conjuntos de música moderna e nostálgica, shows com vedetes esculturais e... preços salgados como o Mar Morto.

         Uma passagem por aquelas paragens durante o dia pode ainda proporcionar situações insólitas como as de um enterro que presenciei: um soar de tambores em ritmo lento e fúnebre enchia o ar naquela tarde morna. A garotada que saía de uma escola das proximidades começou a alvoroçar-se e a subir nos bancos das calçadas (existem bancos coloridos de espaço a espaço por toda a Tel-Aviv e Yafo). Os guardas começam a desviar o transito. A curiosidade açulada 9estimulada), resolvi conseguir um cantinho num banco para aguardar a “coisa”.

     O que seria? Alguma procissão? Alguma propaganda? Num crescendo assustador os sons aumentaram de mistura agora a uma cantilena ininteligível e monótona. Surgiu então um cortejo estranho e á frente um jovem sustentava no alto a tampa de um caixão tosco de madeira. Dos lados, dois rapazes carregavam archotes e mais atrás o grupo que tocava tambores, mas estes, surpreendentemente, eram moças! Bandeiras negras com legendas em árabe, coroas de flores naturais também com fitas pretas escritas em branco no mesmo idioma, e o padre, cujas vestes me deram logo a perceber que era o rito do maronita. No final, o defunto aparecia a descoberto no caixão sem tampa, suspenso nas palmas das mãos de inúmeros rapazes.

     À noite, em Tel-Aviv, sabia-se pelo noticiário que um jovem árabe fora assassinado por ouro na noite anterior em Yafo, por questões de drogas. Seria aquele o defunto da noticia?

     Quando assestei a digital para uma foto do enterro maronita, verifiquei com pesar que a  bateria  tinha acabado.  

GOLD LAND...


Um Reino Dourado   


     São seis horas da manhã de um dia luminoso em Johannesburg – cidade do ouro – cognome justificado pelo fato de a África do Sul produzir 77% do ouro do mundo livre e ter também a segunda reserva mundial de diamantes.

     Do ponto de vista econômico esta nação é pois considerada uma grande potencia. Johannesburg está alinhada entre as mais importantes metrópoles, porém não se pode achá-la das mais belas.

      Muito moderna, com seus arranha-céus varando o espaço, lembra New York e como a Leviatã (monstro do caos) dos States, sua população é muito cosmopolita e mesclada de negros e brancos do tipo nórdico.

     A maior parte dos brancos descende de colonos franceses, ingleses e alemães. Como o Brasil também foi descoberta (no século XV) por navegadores portugueses, porém a civilização ocidental foi trazida pelos holandeses que se fixaram no Cabo em 1652.

     Mais tarde foi a vez dos huguenotes franceses e o grupo de imigrantes que se seguiu, o dos colonos britânicos, que chegou em 1820.

     O quarto grupo, de alemães, no inicio relativamente diminuto, tornou-se significativo, com a presença dos missionários teutônicos, que gozavam de grande influência e atrairiam mais gente para o país.

     Há também uma porcentagem expressiva de indianos que aportaram em toda a África do Sul contratados para as plantações de cana-de-açúcar. O numero de hindus cresceu mais tarde com os que vieram por vontade própria e se estabeleceram como artífices e comerciantes.

     Ressalte-se, ainda, a importância da contribuição judaica, cuja comunidade, atualmente com cerca de 150 mil membros, vem trazendo bastante progresso, tanto nos aspectos culturais como científicos, políticos e comerciais. Também eles, os judeus, estiveram entre os pioneiros, desde 1652. A maioria dos israelitas está localizada em JohannesburgCape Town, Port Elizabeth e Pretoria, a capital administrativa.

     Muitos concorrem com o seu tino comercial para a indústria da lã, importando carneiro da França. Igualmente intensificaram a indústria da tecelagem trazendo as primeiras cabras angorá e a cidade de Cudsthoorn foi cognominada de a Pequena Jerusalém, pois lá se concentra o grande número de judeus que começaram o comércio de plumagem de avestruz.
     A educação é uma das mais avançadas e as escolas são consideradas as melhores do mundo judaico: a criança recebe instrução a partir do primário até o vestibular.

Os israelitas mantém instituições de longo alcance social, destinadas a anciãos, órfãos e deficientes físicos. Museus, sinagogas, monumentos e edifícios imponentes em Johannesburg confirmam a atuação positiva desse povo malsinado injustamente, mas tão laborioso e empreendedor.

     Eles impõe ainda sua presença através da imprensa, através de quatro jornais, publicados em Johannesburg, em inglês, além do “African Jewish Newspaper”, publicado em lidiche.
     Entre os grupos étnicos estão os bantos, com suas nações de fortes tradições. São osZu­lus, Xhosa, Tsuana, Sepedi (Soto do Norte), Seshoeschoe (Soto do Sul), Xangana, Suazi, Venda, Ndebele do Sul e Ndebele do Norte.

     Os Bantos se comunicam através de inúmeros idiomas e dialetos, embora falem também o africâner e o inglês, preferem a sua língua variada. Estes idiomas oficiais, derivam, o primeiro, do holandês do século XVII e constituem a língua materna de 60% dos brancos e 90% dos mestiços. Os restantes, brancos e mestiços, falam inglês.

     Uma das questões mais angustiantes que convulsionava o país era a do “apartheid”, inadmissível, num mundo em ascensão como este.

     Nesses 15 dias de visita procuro observar o fenômeno. Pode-se assim dizer que está presente nas ruas, nos estabelecimentos públicos e particulares e nos templos religiosos. Parece-me que o problema, embora não erradicado (e creio que jamais o será totalmente) decresceu um pouco e já existe uma espécie de quase, diria, confraternização entre brancos e negros. Pelo menos vejo ambas as raças se misturando nos ônibus, trens e até em hotéis.

     Embarcando para Pretoria de trem vejo escrito em alguns carros as palavras “white” e “black”, mas esses letreiros já tem suas cores desmaiadas, até pouco legíveis, o que já é um bom sinal.

   
E lá dentro eu, que por coincidência, entrei num “white” e vejo lá sentados, indiferentemente, negros e brancos, lado a lado. Surpreendente, não? Sabia-se pela imprensa de uma separação odiosa em outros tempos, em que até as calçadas por onde transitavam os brancos eram vedadas aos negros. Estas e outras dicotomias já não existem e eu que estou vivenciando está situação no momento já não a encontro.

     À guisa de intróito, detive-me um pouco sobre esta cidade tentacular que reflete bem o espírito da África do Sul, para que se conheça um pouco das raízes desta nação e de seus problemas sociais tão repisados na imprensa mundial quanto ao seu racismo ferrenho.

     Seis horas da manhã: este é o momento em que se tem inicio uma aventura que pressinto fascinante e razão primordial da minha estada aqui.Encaminho-me para a maior reserva animal do mundo - o National Kruger Park - , com sua área maior que o estado do Rio de Janeiro e do Massachusetts, é o que me informam. Fica no Transvaal Oriental e a distancia de Johannesburg até o Park é de mais ou menos 1.000km. Atravessamos cidadezinhas, aldeias, pegamos estradas diversas, modernas umas, poeirentas e de barro outras, e lá pelas 7 da noite acampamos em Skukusa (nas proximidades há um pequeno aeroporto com o mesmo nome, para quem deseja ir de avião).


     O “apartamento” (reservado à ultima hora) não tem banheiro privativo, sendo necessário uma possante lanterna para se alcançar o coletivo a uns cem metros das cubatas (choça de palha). Estas são bastante toscas, de sapê, exatamente como se vêem nos filmes de Tarzan. De feitio cônico, comportam um ou dois leitos, um lavatório, um armário e um velho espelho. Tudo muito primitivo, que se há de querer mais? Não estamos em plena selva?

     Rápida vistoria: a cama está limpa, o chão batido, mas varridinho. Abaixo-me um pouquinho mais e vejo um estranho que desde os tempos imemoriais desapareceu do uso doméstico, uma vez que as comodidades do progresso já alcançaram os mais longínquos rincões do nosso país, acredito. Cheguei a gargalhar com tal inusitado achado. Simplesmente um vaso noturno, que se convencionava chamar de urinol, e mais prosaicamente ainda, de penico. Lá estava de borco, branquinho, quase imaculado.

     Decididamente, não o usaria. Preferia aventurar-me pela escuridão da noite em demanda dos toaletes coletivos (sem lanterna) do que, ao supremo do ridículo, atender minhas necessidades fisiológicas naquele penico.


     Jamais, mas cadê coragem, quando a noite avançava misteriosa, ocultando talvez mil olhos de feras à espreita para um festim macabro, no caso, a minha carne branquinha? As fogueiras já tinham se consumido e o que fazer, senão entreabrir a porta e dar uns passos sorrateiramente pelas imediações? Foi o que fiz. Esvaziei a bexiga que ameaçava estourar e voltei a passos largos.

     Falei das fogueiras e há um detalhe interessante: ao anoitecer, surgiam como abantesmas (fantasmas), não se sabe de onde, negras tribais que, silenciosas como num ritual, iam acendendo uma a uma, enormes fogueiras em frente a cada acampamento. Acheguei-me para uma delas e ousei perguntar o motivo daquilo. Ela apenas sacudiu os ombros como se pouco lhe importasse responder ou não, e continuou a tarefa, tão muda quanto uma esfinge. Seria muda, ou só falaria o dialeto complicado dos Bantos? Duas conclusões diante do imprevisto: fogo para espantar os mosquito ou... as feras, o que sem dúvida seria um tanto aterrorizante.

     Mas não para mim que adoro animais, selvagens ou não, e os prefiro ao bicho homem, capaz de matar por crueldade inata enquanto que a pobre leoa só sairia à caça para sacia a sua fome a de seus filhotes.



     De fato, as cubatas não estão totalmente isoladas da bicharada, havendo até a possibilidade, embora remota, de se acordar com um leopardo “arranhando” o telhado de nossos “apartamentos”. Estes foram construídos numa grande clareira e o fogaréu, agora estou certo, manterá as feras longe dali, pelo menos até que todos se recolham.

     Lembra-me um filme passado nas regiões do antigo Congo Belga, quando uma chita trepava numa cabana dessas e, prestes a varar o teto de sapê, era abatida por tiro certeiro do herói que corria a salvar a mocinha e tudo terminava, como sempre, no “happy end” do beijo. Saudosos tempos de criança quando eu acorria desesperado á TV na hora das aventuras de Tarzan.


     Fatigado da viagem mas excitado com a antevisão do dia seguinte, continuava a sonhar de olhos abertos, pronto para viver as primeiras emoções.

Às 4 da madrugada o guia bateu na porta, avisando que íamos sair dentro de 15 minutos. Foi só o tempo para uma pequena ablução (banho ligeiro) e a troca de roupa para realizar o desejo ardente do menino romântico que fui, de “habitar”, ainda que por quatro dias apenas, a selva africana, e em convívio direto com a sua fauna riquíssima.

     As duas kombis partiram e eu seguia muito alvoroçado e até falante com os desconhecidos companheiros de aventura (um inglês, um casal de irlandeses, um alemão casmurro porque só falava seu idioma e uma senhora brasileira). Este o nosso grupo.

     O guia, a certa altura, foi detendo a marcha do veículo lentamente, porque como experimentado conhecedor do ambiente, sabia que o “espetáculo” ia começar. Dito e feito. Virou-se para nós e exigiu silencio para não espantar os donos absolutos daquele mundo, mundo novo pra mim, freqüentador de zoológicos de boa parte do universo, mas neófito (novato) quanto à vida livre dos animais em pleno “habitat”.

     O rapaz estendeu o braço apontando à direita e o que vimos foi uma família inteira de leões confabulando e, com certeza, distribuindo as tarefas do dia, tarefas essas afetas exclusivamente ás fêmeas. O majestoso rei sacudiu a sua juba e arreganhou as fauces (parte interior, superior e inferior da goela), ávidas do desjejum que já tardava. As leoas saíram em câmera lenta, prontas para a busca da primeira refeição, e esta não se fez esperar.

     Um bando de incautos Kudos (uma das mil espécies de cervídeos) dessedentava-se na fresca água de um regato. Uma das leoas foi se abaixando até tocar o solo com a barriga e num cálculo preciso, quase matemático, deu um salto que nunca supus fosse tão extenso para um animal tão pesado. Os Kudos espavoridos, tresmalharam em disparada, mas um deles já estava de garganta estraçalhada na boca do animal que o foi arrastando com a satisfação do dever cumprido – garantia de alimento do seu amo e senhor e das suas crias. Cá como lá, sempre a lei dos mais fortes e foi penoso para meu sentimentalismo zoófilo assistir a cena do inocente Kudo sendo devorado pela família feliz.

     A jornada se prosseguia e espetáculos como este iam se sucedendo a todo o momento, para meu desgosto. As maiores vítimas, sempre as zebras, corsas e javalis. Carcaças ainda sangrentas, espalhadas pela estrada estreita por onde as Kombis passavam, mostravam que já havia passeado por ali outra leoa ou uma chita. Os espertos e pequeninos chacais seguiam aos pares, guardando certa distância desses “caçadores” de porte, para aproveitarem as sobras.


     O motorista teve que parar muitas vezes por engarrafamentos de trânsito muito originais: ora uma manada de gnus, ora de búfalos horrendos, mas de olhar meigo, peculiar aos bovinos, e sobretudo elefantes um tanto neuróticos pela invasão de seus domínios, interceptavam o nosso caminho barrindo e sacudindo as gigantescas orelhas.

     Ai, foi realmente um delírio ter a dois metros dos meus olhos aquela multidão. Contei mais de cem búfalos e perdi a conta dos elefantes porque uns muito grandes sobrepujavam os menores e era enorme a quantidade de filhote que andavam quase colados às barrigas das mães desconfiadas.

     A variedade de macacos punha uma nota de comicidade na excursão: faziam caretas, pulavam a frente das Kombis, subiam nos tetos, exibiam os bebês mamando nos peitos magros, o que me trouxe sérias reflexões sobre se Darwin tinha razão...

     Fartei a vista com leões, hienas, kudos, springboks, rinocerontes, hipopótamos, zebras, leopardos e crocodilos. As esbeltas girafas estavam coalhadas de passarinhos que lhe catavam insetos no dorso e elas pareciam muito felizes por se verem livres dos incômodos parasitas, ao passo que os pássaros também se regalavam com o “delicioso repasto”.

     A selva africana não é muito densa e a ausência de chuvas por um largo período mostrava uma vegetação extremamente árida, deixando os herbívoros à fome, pois se viam bandos de girafa tentando colher o último galhozinho verde, algo raro naquela medonha estiagem.

     Só à beira dos riachos e pedreiras com quedas d’água é que se notava um pouco mais de verdura e, ali sim, abundava toda espécie de cervídeos: antílopes, palancas, impalas, kudos, springboks (este último, símbolo do país). Ai deles, coitados, que na sua docilidade ingênua serviam sempre de alimento aos carnívoros.

     Atravessamos toda a floresta e a fome já me dava engulhos, principalmente quando o carro ia aos solavancos em algum trecho de difícil acesso, e também pela visão sanguinolenta das carcaças de bichos recém devorados. Isto se repetiu por três dias, sempre acordados de madrugada pelo guia implacável que nos dava apenas quinze minutos para aprontar-nos e entrar no veículo.
     Voltei realizado mas com uma sensação triste ao mesmo tempo, diante do que presenciei: a destruição dos mais fracos pelos poderosos senhores da selva. Não é esta também a lei dos homens?

     Despeço-me da bela África, pretendendo voltar pela quarta vez, mas com a ressalva de não mais querer assistir de novo o espetáculo da luta pela sobrevivência dos mais fracos e o regozijo dos leões e chitas. Pelo menos nos jardins zoológicos do mundo eles se limitam a comer carne morta oferecida pelos tratadores.

BLOOD SUCKER´S LAND...


Nos calcanhares de Drácula...  

  
     Há personagens que exercem um fascínio tão intenso em nós que chegam a eclipsar o seu criador. Quem lembra, ou até mesmo tem conhecimento, do autor de Frankenstein?  Quem foi Mary Shelley, de sobrenome célebre, pois que era mulher do poeta inglês? Exatamente ela, a criadora do monstro famoso das telas.

     É o que acontece com outro escritor britânico que inspirado num remoto “herói” daTransilvânia, região dos Cárpatos, na Romênia, criou a lenda do Conde Drácula, que vem desafiando as épocas, ressuscitando através dos “thrillers”, ou seja, os filmes de terror. Bram Stocker é nome pouco conhecido, mas Drácula permanece, talvez pela aura de mistério que sempre o envolveu.

     Na cidadezinha de Shighisoara nasceu um êmulo (rival) quase perfeito de Satã, que viveu entre 1430 e 1476 – seu nome completo era Vlad Tepes Drácula, de origem nobre.

     Os Drácula constituíam uma família de sádicos e parece-nos que o mais célebre deles foi Vlad, cujas torturas que infligia ao inimigo iam da empalação à emasculação, passando por outros apêndices que decepava com extremos requintes de crueldade. Gostava de esfolar viva a vítima que lhe caísse nas mãos, além de cozinhá-la em azeite.

     Foi precedido dessa celebridade execranda que Drácula chegou até nós e, principalmente, pelo estigma de vampiro, que segundo os romenos é pura lenda.  Eles o apontam como um legítimo herói que defendeu sua pátria contra os turcos e dizem que essa história de vampiro deve-se creditar à fértil imaginação do escritor inglês.

     No castelo de Shighisoara há um restaurante com seu nome. Fotos na parede revelam um ser de aparência estranha: nariz adunco que quase lhe ultrapassa os lábios, bigodes mefistofélicos e o olhar entre o irônico e o frio parece nos espreitar.

     Ao penetrar em seus domínios o melhor é munir-nos de réstias da vulgar liliácea, nosso condimento principal, o alho, como reza a tradição.

     Sempre o descrevendo como um bravo que defendeu a Romênia do domínio otomano, os nativos, mesmo assim, aproveitam-se da lenda sinistra para expor à venda, dentre os bonecos típicos, aliás belíssimos, Drácula paramentado de príncipe, todo em púrpura e pedrarias, tendo à cintura uma enorme espada dourada mas, intencional ou não, o rosto e as mãos tem a cor de cera característica dos defuntos. Enquanto que os outros bonecos são rosados como a carnação saudável dos vivos.

     À que vêm agora essas reminiscências de vampiro?

     É o primeiro contato com a Romênia que evoca-nos a figura do demoníaco conde revivido no écran (tela de cinema).

     “O primeiro dever de quem tem uma pena é escrever o que julga ser verdade”. Esta frase nos leva sempre a externar a realidade em forma de franqueza às vezes rude, mas nunca a dourar a pílula, por mais amarga e intolerável que seja ao paladar.

     Referi-mo às primeiras impressões (um tanto precipitadas, creio) sobre este país que embora bloco da “cortina de ferro”, carrega a fama de independente no que tange à hegemonia do curso soviético, haja visto a forte resolução de não aderir ao boicote das olimpíadas, à época em Los Angeles.
     É quase impossível conseguir informações em tão breve tempo da atuação do presidenteNicolae quanto aos contentamentos ou descontentamentos das classes trabalhadoras. No entanto, sabe-se que a Romênia de Ceauscescu tinha o regime mais repressivo do então bloco socialista, e isso já se percebe em poucos dias.

     A eterna dicotomia classe rica/classe pobre, que à luz do socialismo simplesmente não existiria, ali era mais flagrante.

     Nas circuladas pelas ruas de Bucareste observa-se que a mendicância impera e algo mais nos desperta a atenção, uma vez que o problema é familiar no Brasil – os menores abandonados. Não sei se cabe aqui denomina-los assim apenas neste “coup d’oleil” em que se destacam na multidão, mas que são bem semelhantes aos nossos pivetes do Rio e São Paulo, e aos “gamins” de Bogotá, lá isso são.

     Descalços, os pés imundos, as vestes precárias, correm soltos a pedir e a furtar. Garotinhas que não passavam de 10, 12 anos trazem crianças nos braços e pedem esmolas. Antes já vira um policial agarrar um menor que corria parecendo querer fugir de algum delito, ao estilo Praça da Sé ou Largo da Carioca.

     Na Rússia não se vêem crianças (pelo menos quando lá voltei), senão quando acompanhadas dos pais ou de professores, quando em excursões. Muito menos se vêem mendigos, embora se depare a cada passo com bêbados, o que já era um grave problema social, ao ponto de o governo proibir venda de Vodka nos supermercados.

     As crianças da Rússia foram as mais belas que tinha visto por esse mundo afora: bem vestidas, bem calçadas, super agasalhadas, na explosão rosa dos rostinhos, as rosas deSaadi refletiam o aspecto sadio de bem-alimentadas.

     Em Bucareste, vêem-se os “pés sujos” que perambulam pelas ruas. Talvez esses meninos pertençam ao reduto de ciganos que também é vasto e são vistos por toda a parte a mendigar e oferecer a “buena dicha” como se a gente fosse entender e acatar sua algaravia (coisa difícil de entender).

     A alma de um povo conhece-se bem através de sua música e da sua cozinha. O que dizer da cozinha romena?

     Restaurantes de classe não faltam, principalmente os de hotéis que se abrem para o público o dia inteiro. A comida, porém, não mereceria nem uma estrelinha daquelas com que o Apícius do Jornal do Brasil costumava classificar as casas de pasto do Rio de Janeiro. Insossa, inodora, o que nos faz crer que o alho é usado apenas para as escaramuças de Drácula. Carnes de porco, galinha, peixes, tudo com gosto de palha... (que saudades do bacalhau e dos peixes de Lisboa, dias atrás).

     Trouxeram-me o que denominaram de truta e, de fato, “ali tinha truta”, um horror. As sobremesas pouco variadas é que ajudavam a matar a fome... após tais repastos. Dos vinhos nacionais, o Tilenavea soube bem ao paladar viciado nos inolvidáveis franceses e portugueses.

     Vagar sem destino, anônimo na multidão, o importante é o contato vivo com o povo. É a oportunidade, ainda que um tanto superficial, de analisar o seu comportamento e o seu “way of life” – a maneira de caminhar, as expressões fisionômicas, a descontração total ou as tensões, isso tudo revela o estado psicológico da massa. Os tipos que passam por mim ou os que estão à espera nos pontos de ônibus, carregam a angustia na face. Gente triste, inexpressiva e que jamais dá a impressão de felicidade.

     Não possuem a vivacidade e a facilidade de comunicação do russo com as suas dentaduras de ouro sempre à mostra para a gente.

     Se o regime é, como dizem, menos draconiano do que o dos soviéticos (não é verdade), por que então essa carga de tensão que se adivinha no olhar parado, quase sem brilho, como o dos cegos?

     De vez em quando é bom saber onde se está e para onde se vai (não consulto mapas, é mais interessante e aprende-se muito mais procurando os habitantes para captar-lhes as reações de hospitalidade e educação). Se na União Soviética qualquer universitário fala fluentemente dois e até três idiomas, em Bucareste, pouquíssimas pessoas falam francês ou inglês.

     Os colegiais que vou encontrando não entendem nada a não ser sua própria língua e nem são bem informados dos principais estabelecimentos públicos, como por exemplo, os correios gerais.

     A arquitetura da cidade lembra um pouco a de Kiev, capital da Ucrânia, mas não tão simpática. Mania de espaço como na Rússia: avenidas largas e extensas, praças e parques enormes. As ruas ao anoitecer ficam quase às escuras e para justificar as minhas indagações ouvi que, devido dificuldades econômicas, as autoridades viram-se forçadas a racionar drasticamente o consumo de energia.

     Na época era considerado o país mais pobre do leste europeu e sua população estimada em 22.352.635 habitantes.

     Todos são ávidos de dólar e os garçons do hotel não dão trégua, acompanhando-nos nas escadarias. Nos cantinhos, murmurando-nos quase ao pé do ouvido a palavra mágica capaz de abrir todas as portas, exceto as do paraíso. Querem resgatar a sua liberdade em dólar, safando-se do país.

     O transito infernal à hora do “rush” é o salve-se quem puder das grandes metrópoles. Táxi, nem por milagre. Há uma infinidade de bondes, metrô e aqueles nosso velhos conhecidos “papa-filas”, mas nada resolve. As pessoas quase se despencam da porta dos veículos apinhados como no Rio ou Sampa, na tentativa de voltar para casa. E nesse “há-há” toda a ciganada que não inspira a menor confiança pronta a surrupiar-nos a carteira ou, o que é pior, o passaporte.


     Enquanto alinhavo estas notas de observação durante o breve convívio com esta gente amarga, aguardo o jantar em mais um restaurante que espero leve a desmentir a lástima da cozinha romena. No local, lotado, as pessoas vão entrando de sacolas de compras. Percebe-se que no momento o único estrangeiro por aqui sou eu. E me pergunto se as diferenças sócio-econômicas devem ser mínimas num país do Bloco, como é que essa gente janta em restaurantes de luxo com freqüência?

     E os que ficam lá fora debaixo de uma chuva fria que começa a peneirar, e que nem o pão, o agasalho devem abundar em suas casas?

     Ao sair, à porta, vejo a aleijadinha (está todos os dias no mesmo ponto) com algumas flores meio murchas que tenta vender aos passantes. Oferece-me e dou-lhe alguns trocados. Ela força-me a aceitar o buquê, de que só recolho um cravo, por sinal vermelho, tão rubro quanto o símbolo do partido que os domina.

     Ah!... Marx e Engels, e Sr. Drin-Drin (alusão a Lenine que, quando em Capri ganhou a engraçada alcunha de pescadores locais), como vocês lá em cima devem estar arrependidos, embora tenham sido movidos pelo idealismo puro de criar uma sociedade justa e nivelada.

     Descubro uma faceta mais românica nesses romenos que parecem trazer estampado na testa – não somos felizes – ninguém volta para casa sem levar suas flores. Até mesmo os homens sobraçam enormes buquês de crisântemos, rosas, cravos e folhagens e há em cada esquina uma florista que vende a sua mercadoria poética. Nisso eles são idênticos aos russos!

     As ruas são limpas embora as calçadas estejam em estado precário. À porta de algumas mercearias vendem-se em caixa com suporte mas sem tampa, pães, roscas e doces variados, e o enxame de moscas e abelhas de que os alimentos estão repletos, além de expostos à poeira, não me anima a enfrentar a fila para provar um daqueles confeites.

     A organização turística não funciona como na Rússia e uma ida ao Ministério do Turismoconfirma sua deficiência. Adquirir ingressos para o “Romanian Nights”, a ópera, o circo e os demais espetáculos folclóricos envolve uma série de dificuldades e eles alegam que não há problema, que é só pegar um táxi e ir direto. Ora, para se obter uma informação dessas não é necessário recorrer ao serviço oficial de turismo.

     Todos os hotéis da Rússia e dos outros países da “Cortina” reservam para os turistas os melhores lugares para qualquer espetáculo. Por fim consigo ingresso para o Teatrul Rapsodina Rua Lupscani,53, bem perto do magazine UNIREA (enorme, mas não tão grande como o GOUM de Moscou).

     Na volta, problema na condução. A cidade às escuras, as ruas ficando desertas, os turistas americanos, sempre identificados pela indumentária ridícula, tomam logo seus ônibus especiais. Os outros também vão partindo em demanda de seus lares. Só há um meio de transporte, os táxis, mas estes somem nestas horas.

     Vou caminhando na noite escura com um certo receio dos ciganos que poderiam surgir de repente. Mas sei que Deus está comigo e sempre me aparece um “anjo salvador”. Lá está ele, é Vasile, um rapazinho muito educado que fala francês o bastante para me ajudar. Andamos mais de dois quilômetros sem ver um só carro livre. Descemos para uma praça onde há um carro parado e o motorista está do lado de fora discutindo com três negros truculentos que os há aqui, e muitos. Parece que o motorista não quer atendê-los e Vasile o convence a me levar para o Dorobanti Hotel. Fico-lhe muito grato e prometo enviar-lhe um postal do Brasil. Meu “anjo salvador” estuda na capital mas é do interior. Despede-se de mim e some para sempre na noite negra.

     Quanto ao espetáculo que acabo de assistir não tem o mesmo nível artístico de os da União Soviética. Os bailarinos eram feios e capazes de espaventar até o Drácula e as moças mais pareciam trazer no rosto o presságio de um velório, pois dificilmente sorriam, faltando-lhes ainda a graciosidade e a leveza das russas, e nem é preciso ser “expert” em coreografia para atribuir-lhes uma técnica menos apurada.

     As igrejas, todas de rito ortodoxo, ostentam nas paredes apenas ícones e pode-se acender velas como nos templos católico-romanos, porém, elas são da espessura de um lápis e compridas como varinhas. Custam um “leu”, a então moeda nacional que passa a se denominar “lei” no plural e é dividida em “bani”. No cambio oficial 15 lei valiam um dólar, mas no “black” chegavam a 25 ou 30 lei.

     Duas ruas, gêmeas, evocam Paris e o que chama a atenção para elas é a homenagem que prestam a dois patriotas e eruditos franceses, Jules Michelet, o historiador e Edgar Quinet. Ambos seguiram pela mesma trilha idealista e tinham na identidade de espírito as mesmas reivindicações de liberdade.

     As demais ruas e avenidas tem nomes completamente desconhecidos. Suponho que de militares romenos, a julgar pelos inúmeros generais, etc.

     Os paises socialistas ainda cultivavam com muito ardor a arte circense e decidi testar o circo romeno, depois de assistir a todos os dos outros países do bloco. Valia a pena e ali sim, podia-se afirmar que são grandes artistas. Devido à escuridão ao anoitecer, optei pela matinê. Mesmo assim o problema da volta se repetiu e eu fui ficando para trás enquanto o pessoal da casa desaparecia. O local é afastado do centro e há um bom pedaço de chão batido para se desembocar lá embaixo, na auto estrada. Os ônibus e os bondes, impraticáveis, só podem ser usados se se comprar antes bilhetes vendidos em postos que tem a sigla ITT.

     Uma solidão de chumbo pesa no ar e parece que a gente é o único ser vivente na terra nessas horas, tamanho o isolamento num país de língua arrevesada (e ainda dizem ser o romeno parecido com o português).

     Um “anjo salvador” me socorre de novo: encontro Christian, engenheiro de computadores, triste como todos mas de prestimosidade a toda prova. É ele que me leva a pé através de vielas, ruas e avenidas com árvores de ambos os lados que parecem fantasmas gigantes ameaçando se fecharem sobre nós. E assim, caminhando cerca de hora e meia, atingimos o Dorobanti.

     Apesar da atmosfera sombria que paira em tudo por aqui, percebe-se que o povo é culto, um povo que lê muito, o que de fato é comum nas então Republicas Socialistas. Além de inúmeras livrarias, as calçadas ficam atulhadas de balcões com livros em vários idiomas, e em todos os assuntos.

     O escritor mais festejado, Panait Strait, comparece com seus livros, de quem conheço apenas “Mediterrâneo”, considerada uma obra prima universal.


     Mais adiante se defronta com um museu diferente, a céu aberto. Entra-se por um majestoso portão e vai-se desaguar numa Vila construída com todos os tipos de costumes folclóricos do país. Ruas com casas originalíssimas, cada uma representando uma região e uma época. No seu interior encontram-se móveis e também ferramentas peculiares ao tempo e a região em que eram usados.

     Os caminhos são circundados de árvores e flores e os moinhos dão uma nota bucólicavirgiliana, constituindo esta visita ao museu um dos mais belos passeios de Bucareste.

     Mas o que compensou mesmo nesta viagem à Romênia foi abastecer-nos dos decantados cosméticos e medicamentos da Dra. Aslan, aliás, muito baratos, e principalmente visitar os domínios do príncipe Vlad Tepes, mais conhecido como o sinistro Conde Drácula!

MADE IN PARAGUAY...


Paraiso del Turista 

   
     O elemento humano fascina. A paisagem da “natureleza” e a arquitetônica ficam sem segundo plano. “Cada povo com seu uso, cada roca com seu fuso” – o brocardo (axioma, aforismo, máxima) justifica a diferença dos povos, de país para país. Essas diferenças podem ser nos hábitos e costumes, no temperamento e... no espírito civilizado e urbanístico.

     Recebo na minha primeira compra um calendário onde se vê, além da vista parcial da cidade, um jovem em trajes típicos folclóricos na dança das garrafas. Paraguay – “paraiso del turista”, a frase completa o brinde.

     No Brasil quando se ouve falar em Paraguay as pessoas se referem a um país “paupérrimo, insignificante”, quase um acidente mínimo na geografia sul-americana.

     Depois de conhecer boa parte do mundo, fui dar com os costados na vizinha terra. Que belíssima surpresa! Nem é um país paupérrimo, nem é insignificante, apesar da limitação do seu território.

     Pasmem, nós os brasileiros teríamos muito que aprender com o povo guarany num certo sentido: educação e ordem.

     Em meio à multidão, desde os mais sofisticados elementos aos mais humildes, todos tratam os seus semelhantes com a mesma gentileza, foi o que se observou. Uma senhora está prestes a tomar um ônibus? Lá vem o trocador (sem roleta nem banqueta) estender-lhe a mão, tendo o cuidado de fazer-lhe antes uma pequena reverencia como se, num recuo fantástico de tempo, estivesse na corte de Versailles. A senhora vai saltar, lá vem de novo o trocador dar-lhe a mão delicadamente para auxiliar-la no degrau que não é tão alto como o dos nossos coletivos.


     E note que são “guapos caballeros” e não maricas. Só isto bastou para despertar a minha admiração pelo nosso vizinho de fronteira.

     Cadê os mendigos, cadê os pivetes e... maravilhoso como num “reino de fantasia”, cadê os assaltantes, os marginais que nos tornam cada dia mais inseguros e indefesos, à sua mercê? Simplesmente não os há!

     E por quê? Porque lá existe um Governo que pode ser demasiado severo, drástico até, seja lá o que for, mas que zela pela integridade e a segurança de seu povo.

     Já o brasileiro com a sua reconhecida e ingênua megalomania diz que Deus é brasileiro. “Uma ova” que é. Se assim fosse, o Eterno já teria se suicidado ou trocado de cidadania.

     A verdade é que flanar por aquelas ruas torna-se um prazer despido de qualquer receio em qualquer situação, a qualquer hora. Não há também atropelamentos, embora o trânsito seja intenso e os Lincoln e Mercedes locupletem as artérias imaculadamente limpas. Não se vê um pedacinho sequer de papel atirado. Cães os há as centenas (vadios, suponho) mas não se sabe onde se deitam os seus excrementos porque as ruas e calçadas continuam brilhando de limpeza.

     E a alma do povo? Extrovertidos, os paraguaios nos acolhem sorridentes com um “bienvenido” a seu país. Onde foram aprender educação? Em que fonte foram haurir princípios requintados da civilização européia, tão distantes do Velho Mundo que estão?

     Ao contrario do observado no Peru, recentemente visitado, as pessoas são bonitas e mais avantajadas, sem a característica indígena do “fácies” peruano. Os índios autênticos que oferecem seu artesanato (bolsas,cintos, arcos e flechas), estes sim, se assemelham ao peruano comum. A mulher paraguaia se veste bem e mesmo sob o sol escaldante de um calor “carioca”, passeiam suas toaletes quase clássicas, usando sapatos altíssimos.

     Mas o objetivo principal de um turista que vai ao Paraguay é comprar. O “slogan” Paraiso del Turista naturalmente se refere a mais este aspecto. O comercio é, na verdade, uma tentação difícil de resistir, principalmente quanto ao preço e qualidade. As blusas bordadas (belíssimas, por sinal), as toalhas e jogos completos de “ñhanduti”, os conhaques franceses e o Scoth, e toda espécie de bebida importada deixam a gente louco a rebuscar nos bolsos os últimos dólares e... cruzeiros (!) para aproveitar o “the bargain”.

     A colônia chinesa, como no Peru, é vasta e suas lojas oferecem de objetos de marfim e jade, até túnicas, lenços, leques, enfim, uma enorme variedade de bijuterias delicadas – imitações perfeitas de jóias verdadeiras.

     Há hotéis, “residenciales” e pensões e todo tipo, e o mais luxuoso dos hotéis é o Ita-enramada, com cassinos, piscinas, sauna, etc. Este, naturalmente, fica reservado aos miliardários e “nouveau riches”, porque seria rematada tolice gastar cem dólares só para dormir.

     Assunción, pequena, limpa, cuidada ao extremo, não tem jamais o aspecto de pobreza de que falam os que lá nunca foram. A Avenida Marechal López, enorme, só tem de um e outro lados, mansões dos mais variados estilos, desde os “cottages” aos modernos em estilo colonial espanhol. Nas garagens, dois ou três carros, sempre de luxo. Volkswagen lá se pode contar nos dedos, de tão raros.

     Contrastando com tudo isso, apenas as precárias instalações do Aeroporto, lotado de lojinhas que, por mais estranho que pareça, vendem os mesmos artigos da cidade por preços mais acessíveis ainda. Quando se volta, ainda se faz a tentativa de descobrir algum dinheirinho escondido para acabar de vez com a angústia oniomaníaca que nos consome, olhando aquelas camisas e blusas indianas fenomenais e o “Courvosier” legítimo, “tax free”, no Aeroporto.


OLD AND WISE!


Visita aos Incas 

  
     Entro numa espécie de bar ou confeitaria, não sei bem. Sentada junto à registradora uma velha cujos traços não deixam duvida quanto aos seus ancestrais Incas. Ela me olha com um sorriso feliz antevisando com certeza, freguês em dólar, claro. Julga-me americano ou inglês, é o que me dirá depois.

     Sei que não é este um estabelecimento dos mais recomendados, a julgar pela espécie de seus freqüentadores – gente do povo, simples e modestamente vestida. Peço o cardápio, um simulacro de menu, meio engordurado e mal escrito.

     Quero comida típica. O garçom sugere um “cebiche”. O que será isto? O prato vem e agrada de início: está coberto com cebola crua e molho “aji” (a pimenta crioulla). Suponho ser bem popular, pois todos que estão alise debruçam com vontade sobre a comida. Feito de pescado, cortado em pedacinhos quase quadrados, com muito limão, bem cozido, alguns pequenos mariscos nadando no molho. Junto, um pedaço de batata cor de sol, super doce. Na verdade cabe bem ao nosso paladar acostumado a condimentos picantes.

     Para beber, o “Pisco”. Esta é a aguardente dos peruanos e o cocktail “Pisco Sour”, americanizado já, é bastante bom.

     Para arrematar, sobremesa da terra também: uma “mazamorra morada” de que não sabemos de que é feita.

     A saída, a velha, me tomando mesmo por americano, ensaia algumas frases em inglês e me oferece os famosos “torrones de Dona Pepa”.

     Pergunto-lhe se é ela a própria, mas não, simplesmente é a dona do bar e é por isso que senta com um ar senhorial e vigilante junto à caixa, ostentando nos dedos murchos alguns anéis de ouro velho e pedras antigas.

     Na rua inúmeras carrocinhas vendem um refrigerante, parente, suponho, da Coca-Cola, e a que chamam de “Inca-Cola”, além da “Chincha” e da “Piña” deliciosa; fritam em caldeirões a saborosa “papa jelena” apimentadíssima. E servem ainda ali mesmo as “salchipapas”, à base, naturalmente, de salsichas.

     De tudo experimentei, pois quando se vai à um país diferente dos costumes do nosso, deve-se conhecer por sua cozinha, porque é nela que reside a “alma do povo”. Só não me anima, ao aportar a alguns países do oriente, comer cobras escalpeladas na hora ou cachorros fritos.

     Tinham-me recomendado dois restaurantes famosos em Lima, um por localizar-se num verdadeiro palácio do século XVII, todo em estilo colonial, decorado com telas famosas da época: “Trece Monedas”. Ir à Lima e não almoçar lá pelo menos uma vez para conhecer esta obra-prima remanescente de uma era de fausto, é não completar a viagem. A cozinha é francesa, com alguns pratos “crioullos” para dar cor local. Apesar do luxo, da beleza e da arte do Trece Monedas, uma refeição com iguarias francesas não chega a dez dólares, o que é preço irrisório.

     Parti para outro também recomendado como uma das maravilhas do Peru, este chinês: “Lung Fung” – verdadeiro templo mandarim plantado no bairro de São Izidro, coalhado de residências privilegiadas. O restaurante ocupa quase todo o quarteirão de tão grande, em forma de pagode (templo asiático) pintado de laca vermelha dourada, tem até um córrego que o atravessa e compõe a decoração típica, com suas plantas exóticas e carpas brilhando nas águas mansas.

     Para os adeptos da cozinha cantonesa ou chinesa, uma centena de pratos aguça-nos o apetite e o preço é ainda mais acessível do que o do outro. A colônia é vasta e em cada rua encontram-se as “chifas”, denominação dada aos seus restaurantes.

     Lima é acolhedora e o povo, embora nada bonito pelos caracteres indígenas é bastante simpático e educado. Pareceu-me franco e sincero também – pois os que ia encontrando, sabendo-me turista, avisavam logo para vigiar a bolsa pois há muitos ladrões. Como para nós brasileiros isto é fato corriqueiro, não houve espanto, embora, graças a Deus, ninguém tenha me incomodado.

     O encanto da cidade reside todo nas varandas de madeira, de influencia colonial espanhola. A maioria dos palácios e casas ostentam esses varandões que lhe emprestam um ar de mistério, como se por detrás daquelas filigranas se postassem rostos à espreita.


     Assim é toda a Praça das Armas, onde estão o Palácio Arcebispal, o Torre Tagle e oMunicipal, que constituem um harmonioso conjunto.

     Igrejas as há às dúzias, ás centenas, talvez. Ricas em altares de ouro ou trabalhados em madeira, verdadeiras obras de arte. A padroeira é Santa Rosa de Lima e lá está ela na suaIgreja e Convento onde existe um profundo poço que a tradição faz supor milagroso. Inúmeras pessoas, principalmente jovens sonhadoras e velhos doentes, atiram para o fundo do poço papéis com pedidos endereçados à Santa.

     Além da padroeira, há outro canonizado. É San Martin de Porres, considerado pelos peruanos como milagroso também.

     A Rua do Ouvidor de lá é a Jiron de la Unión, de comércio artesanal e rico em objetos de ouro, prata e pedras preciosas. Os camelôs são tantos que já transformaram as suas calçadas em autenticas feiras livres.

     Vende-se de tudo. Cerâmica de Cuzco, artefatos de couro de Puno, pirogravados em cores, roupas e ervas indígenas, ditas milagrosas, capazes de curar bronquites e até males do coração ou do estômago, além de apregoarem os afrodisíacos. Os que as vendem nada dizem, mas a redação de seus históricos em cada embalagem é bastante eloqüente e convence os ingênuos.

     As mulheres ficam acocoradas com os filhos às costas e suas fisionomias impassíveis retratam um povo sofrido qual foi o primitivo Inca. São prematuramente envelhecidas e descem das aldeias para fazer um dinheirinho com aquelas pequenas mesas conhecidas e descobertas pelos seus ancestrais índios.

     Há ainda mendigas que imagino centenárias, tamanha a quantidade de rugas que lhes sulcam o rosto.

     Uns chamam a atenção soprando nas suas “quenas” (pequenas flautas toscas) uma melodia sem sentido e modorrenta como suas caras. Talvez seja o mascar contínuo das folhas de coca que os deixa de olhos parados e estáticos à espera de não sei o que.

     A influencia forte da Espanha ainda se faz sentir na “Plaza de Toros” e no museu taurino onde se conservam troféus, como cabeças empalhas de belos miúras (touro muito feroz), bandarilhas e vestes dos “Dominguins” locais. Entretanto, a praça de touros é bem modesta e a arena não inspira nenhum matador, pela sua extensão e pobreza de acomodações.

     Quanto ao transito é caótico como o de São Paulo ou Rio de Janeiro, mas ainda respeitam os sinais religiosamente. Torna-se quase impossível apanhar um ônibus, pois são tão arcaicos e precários que mais parecem “fantasmas” saídos dos cemitérios de automóveis.

     Esta é a capital Inca vista num “close” rápido de quatro dias bem aproveitados pela beleza da sua arquitetura e de seu patrimônio histórico tão bem conservado pelos peruanos.

 

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I am one of those guys with a fat address book - maybe because all my friends tell I'm charming and clever! But as far as I´m concerned, friendship is a club of seven people which was fully by the time I was 25. We all share the same interests, and we don´t make any demands on one another in emotional terms - which is something I would avoid like the plague. It´s not that I don´t like making new friends easily...They have to cativate me at first...We all grew up in the same social, professional and geographical world that we now occupy as adults. The group of seven offers me as much security and intimacy as I require!