Saturday 29 January 2011

A KIND OF WHAT?


Haiti   


     Parece-nos que a bruxaria está sendo reeditada em pleno final do século XXI, cada vez com mais freqüência, como nos tempos da idade média. A imprensa vem comentando a volta das missas negras e as sessões de satanismo nos Estados Unidos e na Inglaterra (e até em terras tupiniquins). Estes são paises civilizados, imagine-se, então, numa nação primitiva cuja cultura remota ao africano Dahomé, o que acontece nos terrenos dos mitos e ritos da magia negra.

Depois de vagar pelos caminhos do mundo e conhecer os lugares mais exóticos, fui dar com os costados na terra do vodu, ou seja, o Haiti.

O próprio vocábulo sugere uma raiz etimológica na “vaudoisie” medieval francesa, enquanto alguns antropólogos asseguram que a palavra vem do dialeto “fongbe” do Dahomé.

Embora essa viagem tenha sido feita há tempos idos, alguns comentários ganham foros de atualidade quando o pequeno país volta ao cenário do mundo como se seu destino fosse a eterna tragédia.

Haiti, em linguagem arauque, “país montanhoso”, é uma pequena ilha gemelada com a Republica de São Domingos e, apesar da desimportância no cenário do mundo, esteve sempre em evidencia na imprensa internacional. A principal razão desta notoriedade devia-se ao ditador que se intitulava presidente vitalício e impunha toda espécie de medidas cruéis e arbitrarias aos seus “súditos” como se rei fosse.


A fortuna fabulosa ele amealhou à custa dos pobres haitianos. Jean-Claude Devalier – o Papa - Doc – está morto. Teria se extinguido o calvário do povo do Haiti? Infelizmente não. A dinastia continuou no filho Baby – Doc, que manteve a tradição da tirania, daí a presença dos “Tonton Macoutes” (agora denominados leopardos). Quem eram eles? Encarregados de aterrorizar o povo, selecionados de acordo com o grau da ferocidade que demonstrassem e cujo “ritus” de maldade acentuava-se pelos óculos “ray-ban”.

Esses policiais por onde surgiam faziam tremer meio mundo e receberam o cognome do folclore francês, que corresponde ao nosso bicho-papão das histórias infantis.

À época dessa visita, Baby – Doc curtia seu exílio bem distante de sua terra, certamente recheado de dólares.

Nos tempos primevos o Haiti teve os seus heróis que impregnados do espírito de liberdade, lutavam pelos irmãos de raça culminando com a abolição da escravatura em 1.791, portanto muito antes que o Brasil. O maior destes era chamado de “Napoleão Negro”, foi Toussaint Louverture. Escravo como seus compatriotas, líder nato, conseguiu a façanha de aprender a ler e escrever já adulto. Inteligente, talentoso, lançou o seu repto na Colônia: “Sou Toussaint Louverture e desejo a liberdade, unam-se comigo!”.

Estadista autentico, proclamou-se governador, elaborando a Constituição do País em 1.801. Foi aí que Bonaparte se enfureceu com a audácia do negro Toussaint, a essa altura general, por ter feito uma nova constituição numa colônia francesa.

Intolerável desafio, assim o julgara o “Pequeno Caporal” e mandou prender o insurreto. Levado para o solo francês e encarcerado no Forte de Joux, lá veio a morrer de doença e inanição em abril de 1.803.

Sete meses após sua morte os franceses deixaram a ilha e o Haiti tornou-se então a primeira republica independente do mundo.

Numa das frases que confirmam a forte e digna personalidade de Louverture, ele diz: “prejudica à minha honra e à minha inteligência a cor da minha pele?”. Hoje o Napoleão Negro tem seu nome vivificado na história do Haiti e além fronteiras.

Tenho visto nas grandes livrarias de Paris grande quantidade de biografias desse negro notável, sempre exaltando os seus feitos como herói.

Há uma outra razão ainda (além dos Duvalier) da triste celebridade da ilha. É o culto do vodu, Ou Voodoo, que envolve um misto de sortilégio e fetichismo com seu cortejo de mistérios impenetráveis.

Depois da Jamaica, a permanência no Haiti , com o sentido e a esperança de conseguir permissão para senão desvendar, pelo menos assistir a um ritual do Voodoo.

Na Nigéria não nos foi permitido, uma vez que só habitando em Lagos por uns dois anos ou mais é que começam a confiar nos estrangeiros, liberando-lhes a entrada nas sessões. 

Tendo como “sponsor” famoso médico nativo que trouxera ao mundo o próprio Baby – Doc, tornou-se viável para mim assistir a um culto de voodoo. Assim é que fomos recebidos com especial deferência, tendo já reservados os melhores lugares próximo ao “palco” dos trabalhos.

A entrada que leva a um dos “terreiros” tem de um lado o oceano e do outro mansões dos poderosos haitianos (raros) e americanos com interesses financeiros no país. E essas residências, a eles pertencem, parece, advinha-se quase, pois são ocultas por muros e jardins arborizados e parecem de alto luxo.

A parte da frente do templo é na verdade um portão tosco guardado por alguns negros troncudos com ares de Cérbero (cão monstruoso que segundo a mitologia guardam a porta do inferno) à porta do Érebo (região tenebrosa que fica embaixo da terra e acima do inferno, por conseguinte, o próprio).

No campo dos trabalhos existem compartimentos denominados “peristilos”, decorados com o escudo da Republica Haitiana e, nas paredes, além de fotos do falecido Papa – Doc, símbolos que eles chamam de “vevé” e é lá que também se pode observar a representação deDamballah – a serpente, loa (que capta simpatias) da fertilidade, Erzulie e outras loas.

Numa melange sincretista imagens de santos católicos se alinham com esses loas e objetos de ferro forjados, espalhados pelos cantos junto aos “govis”, espécies de vasos que eles acreditam conter os espíritos dos antepassados.

O cambono do nosso candomblé lá corresponde ao “hougan”, a mãe-de-santo é o “mambo” e, sobrepujando a todos, a grande sacerdotisa Mamaloa.

No “hounfort”, barracão onde se realizam os rituais ao som de atabaques, os loas e aslegbas, estes últimos correspondendo aos “exus” vêm chegando nos “cavalos” e o hougan, ingerindo aguardente misturada a pimenta, a borrifa nos participantes e faz a oferenda. Os cantos, na língua yorubá, começam arrastados e monótonos, mas vão recrudescendo à medida que baixam muitas loas.

Erzulie-Freda-Dahomey é uma das divindades de destaque, tão bela como Iemanjá, não se sabe, entretanto se corresponde àquela. O exu-caveira, este sim, é representado no voodoo pelo Barão Samedi, também conhecido como Barão La-Croix e dizem mesmo que era o “padrinho” do velho Devalier.

A expectativa de experimentar emoções fortes sempre açulando, instigando o nosso espírito de aventura, põe olhos e ouvidos bem atentos: de repente um espanadar muito forte aumenta o barulho das ondas (o terreiro fica à beira-mar). Pode-se já distinguir, mesmo ainda distante, um cavalo e um cavaleiro cortando as águas revoltas do Atlântico. Estão chegando e penetram no hounfort esparramando água por todos os lados. O cavaleiro (sem trocadilhos) é o próprio “cavalo”, incorporado numa loa.
Será Ogum no cavalo branco sem dragão? O espetáculo é fascinante, embora comece a causar certo mal-estar quando um dos integrantes da cerimônia apanha um galo preto e de uma só dentada arranca-lhe a cabeça.
O sangue a escorrer pela boca, descendo pela veste toda, vai passando a ave decapitada em cada “cavalo” ao tempo em que explosões de pólvora e enxofre sobem pelos ares empestando o ambiente.

Outras aves vão tendo a cabeça decepada com a voracidade dos loas incorporados e o chão fica coalhado de “cadáveres” de galos pretos, em corpos que ainda estremecem como se vivos estivessem, enquanto o ritual macabro prossegue.

Embora aos términos dos trabalhos vendessem a alguns visitantes, a titulo de curiosidade, o casal de bonecos que constitui o “leit-motiv” da feitiçaria voodoo, não houve a cerimônia dos alfinetes com que acreditam possam atingir, através desses bonecos, a pessoa visada.

Essa talvez seja uma reunião secreta vedada a leigos!


Após o encontro com a “magia” do Haiti, impunha-se outro, este mais humano e pessoal, com o povo e a cidade de Port-au-Prince, a capital.

Quase sem calçamento, os esgotos exalavam ares mefíticos e enlameavam os sapatos quando os carros passavam. Trechos pavimentados só nas vizinhanças do Palácio do Governo. Mendigos os há por toda parte, aos bandos e em implacável perseguição aos turistas na esperança de ganhar um “gourd”, a moeda da terra. Port-au-Prince assemelha-se a uma favela onde impera a miséria do lumpen-proletariado que é sempre a vitima explorada.

Apesar da situação de pobreza extrema o haitiano é de uma docilidade rara e acolhe o estrangeiro com um sorriso aberto e humilde.

As pinturas multicoloridas das latarias dos ônibus dão um toque pitoresco com os temas bíblicos e salmos escritos em meio à flores. Há até frase de cunho filosófico, como por exemplo, a que foi anotada: “Dieu fait toutsans dit, les hommes dit tout sans faire”. Outras são humorísticas: “Chez nous, soyez reine”, “Ça ira vite”, e muitas outras espirituosas.

A cozinha “criolla” é uma mistura da francesa e africana. O nosso arroz com feijão é o prato nacional, porém acepipes (petiscos) como o “gruau”, que são pedaços de porco fritos com pimentão nos souberam deliciosos bem como o arroz “dion-dion” (com cogumelos da terra), gambas, ostras, caranguejos, aves, tudo feito à base de muito condimento picante.

Os restaurantes de classe são poucos mas muito bons e o que constrange, como também nos grandes centros brasileiros, é ver através dos vidros uma infinidade de rostinhos de crianças de olhos compridos observando os que almoçam e isso dói na alma da gente, sabendo que elas não terão nos seus barracos, jamais, a possibilidade de provar aqueles suculentos pratos de sua cozinha típica.

Nas ruas essas mesmas crianças carregam esculturas de madeira representando negros ou orixás que tentam vender aos turistas. Embora insistentes, esses camelôs mirins são simpáticos e a dentadura na aparência de subnutridos, rebrilha parecendo perfeita num contraste chocante com o corpo magro, esquálido até.

Da colonização francesa, o Haiti conserva o idioma, porém o dialeto creolle-patois” domina a zona-rural. A religião oficial é a católica, que não consegue suplantar a maioria praticante do voodoo dos ancestrais.

A cidade possui alguns edifícios modernos que se erguem nas avenidas próximas ao Palácio, mas as casas são em sua maioria de uma arquitetura sóbria, relativamente bonita.

Em frente ao corpo de bombeiros fica a pracinha e à tarde está repleta de estudantes adolescentes que sobraçam apostilas, tentando decorar os textos à sombra das árvores. Uma leve brisa sopra do mar e o sossego do local os atrai favorecendo a memorização, foi o que me disse uma estudante.

Andando pelas ruas, sem destino certo, e em outras incursões pelo interior, é que se tem a confirmação do porque do pequeno país ser considerado ainda o mais pobre das Américas, quiçá do mundo, resultado com certeza daquele “afilhado” do Barão Samedi e que agora deveria estar curtindo o seu castigo nos domínios de Asmodeu, se ele existisse.

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