Saturday 29 January 2011

I REALLY HAD EXPECTED MORE...


Viagem ao Egito  


     Estou em Paris, na minha estonteante e querida cidade, e pela primeira vez tocarei o solo da África numa viagem há muito desejada.

É outono, a minha estação predileta. Por quê? Talvez seja pelo fato de ter vindo aqui também pela primeira vez há tantos anos, num começo de outono. As folhas das árvores vão ficando fulvas e uma brisa suave as vai atirando ao solo como moedas de ouro da boca de um rei Midas. Olhá-las me faz bem à alma e às vezes, não raro, recolho alguma e guardo-a num livro – velho hábito da adolescência romântica e sonhadora.

Deixo o “Orly” na manhã ensolarada já fresca, sempre com o coração em protesto: se fosse ouvir a sua “voz”, jamais partiria.

A aeronave desce em Atenas para uma escala que seria de 45 minutos, mas que se prolonga por cinco horas. E mais ainda: mudamos de companhia e seguimos pela Olympic (deOnassis). Esta conexão não estava programada, o que me faz supor algum sério defeito com o aparelho da Air France.

Aproveito para dar uma volta pela cidade e ver ao menos de longe a Acrópole. Não entendo o motorista que me conduz, pois só fala a sua língua e eu gosto imensamente de tagarelar com todo mundo no exterior; quero conhecer tudo, a vida e os costumes de povos diferentes, é por isso que sou um turista que não segue roteiros pré-estabelecidos pelas agências de viagem. Ando só, sem programa definido, e usando três idiomas além do português, dou-me bem.

Da Grécia nada posso dizer: uma visão muito rápida, além da falta de comunicação com os gregos.


De Atenas ao Cairo se gasta uma hora e meia mais ou menos. Piso “El Khair” (“A Vitoriosa”) às 23 horas, sem reserva de hotel, sem guia, sem rumo, sem nada.

Olho ao redor: árabes e mais árabes numa algaravia (língua árabe, confusa e ininteligível) tremenda.

Tentei fazer-me entender e nada, só ouvia a língua mãe.

E agora? Como conseguir alojamento àquela hora? Chego à conclusão que tenho espírito de aventura mesmo e adoro situações difíceis (até certo ponto, é claro).

Por fim, encontrei alguém falando um francês impecável. Era da Agencia de Turismo Nacionale andava a cata de quem quisesse utilizar seus serviços. Contratei logo uma excursão à“Mênfis” (aí tem que ser acompanhado porque é perigoso e as Pirâmides ficam em pleno deserto da Líbia).

Consegui reservar o hotel através de Mohamed (no Egito parece que todo mundo se chama Mohamed, como o nosso José ou Antonio). O prestimoso egípcio botou minha bagagem num táxi e lá fui eu em demanda do hotel que sabia apenas ser o Continental.

Ia perguntar ao motorista onde ficava, porém o pobre homem também só falava o árabe. Haviam me informado que todos falavam inglês e francês, o que não é exato.

O Aeroporto é bastante retirado e no meio do caminho deserto o homem fez uma parada. Confesso, tive medo, pensei mil coisas: com certeza me tiraria os dólares (eu levava, além dos meus, 10 mil dólares de um amigo inglês que m’os encomendara no “black”), e sei mais o quê...

Com um gesto ele saltou do carro e afastou-se. Fiquei rezando e esperando o resultado. Vi ao longe um pequeno quiosque repleto de cigarros, bebidas e quinquilharias. O árabe se dirigiu para lá. Voltou logo com duas garrafas de uma bebida que até hoje não sei do que se tratava (o rótulo estava em caracteres árabes, apenas) e estendeu-me uma.

Fiquei num dilema e mais uma vez a desconfiança me assaltou: e se contivesse algum narcótico, ópio ou haxixe tão comum por aquelas paragens? Aceitar ou não? Ele insistia tão gentilmente que não tive outro remédio senão beber. Graças a Deus era mesmo um refrigerante inocente, cujo gosto não consegui decifrar.

Veio a tranqüilidade quando ele continuou a marcha e as ruas do Cairo já começavam a aparecer aos meus olhos curiosos.
Casas bizarras, mesquitas exóticas e o silencio da madrugada. Raramente passava algumfelá (camponês ou lavrador egípcio) perdido na noite, sempre vestido na sua indumentária de pobre – caftan listrado e enorme turbante branco.

     Place de L’Opera – ali fica o Hotel Continental e isso me avivou mais a lembrança de Paris.

Não há camareiras, só homens e todos vestidos à oriental, roupas coloridas bordadas com galões dourados e eles, quase sempre núbios, têm no mínimo 1.80 de altura. As feições são delicadas, a tez azeitonada, mas o olhar é vulturino e frio.

Prefiro tomar o “breakfast” no quarto e, felizmente, os núbios falam inglês e francês. Ao entrar fazem mesuras exageradas, saudando a moda árabe. Noto também que o idioma que falam é bem diferente do dos libaneses que moram no Brasil.

Extremamente gentis e pacientes, dão, contudo, a impressão de um povo indolente e vagaroso, talvez devido às condições climáticas: um calor intenso e chuvas de vinte em vinte anos, quando chove...

Tudo no hotel funcionava melhor à base de piastras (moeda de prata) e haja tantas para o “backshich” (gorjeta). O gerente do hotel já me prevenira que eu teria só dois dias para a estada no Continental, porque iriam receber uma grande comitiva espanhola, mas já haviam reservado outro para mim.

O segundo hotel ficava localizado num dos lugares mais interessantes do ponto de vista turístico: nas proximidades do maior mercado do Cairo – o Khan El Khalil – que deu também a denominação do hotel.

Os ascensoristas, todos crianças de 10 a 12 anos, falavam francês e, naturalmente, o árabe. Três deles chamavam-se... Mohamed e usavam vistosos caftans azul-rei bordados a ouro. Os seus olhinhos faiscavam quando eu lhes punha nas mãos pequenas moedas de cinco piastras.

Um episódio pitoresco e cômico vale a pena ser contado. O Khan El Khalil, em Paris, seria considerado três estrelas. Após dois dias de estada lá, estranhei que não houvessem colocado papel higiênico no toalete, aliás, muito limpo e perfumado. Continuava usando o meu, que sempre carregava devido às crises de rinite. Descobri ao acaso o “método” usado. Esbarrei num minúsculo botão ao lado do vaso e recebi um jato fortíssimo que me inundou dos pés à cabeça. Dei um pulo e fui verificar de perto o que era aquilo. Um cano invisível quase, vinha de dentro do aparelho e assim que se apertava o botão mágico esguichava água a valer. Foi assim que descobri como se faz a higiene do árabe após suas necessidades fisiológicas. O negócio é a jato mesmo!


O mercado Khan El Khalil é originalíssimo e como de costume, o árabe, descendente dos fenícios, é um negociante de primeira e com eles tive que dançar conforme a música, depois que percebi a manobra: primeiro pedem por um objeto 50 ou mais piastras, mas se se for esperto, acaba-se comprando por 20 ou até menos. A libra egípcia, bem cotada, à época valia 2,5 dólares americanos e tem 100 piastras.
No dia seguinte iria ao encontro da grande aventura – a visita às pirâmides em Mênfis. O grupo era constituído por turistas de várias procedências: um casal búlgaro simpaticíssimo, um americano “sissy”, um casal muçulmano do Transvaal (Mohamed e Hagira), um japonês, dois filipinos, um holandês e este que vos fala. Dois guias falando francês e inglês.

A estrada é boa e a paisagem nos transporta aos tempos bíblicos, sobretudo a paisagem humana – felás em quantidade montando jumentos, acompanhados das famílias em trajes típicos seguiam para suas aldeias. Palmeiras margeando a estrada e de ambos os lados viam-se búfalos pastando pachorrentos. São domesticados e fornecem carne e leite para a população. Gostei desse leite e quase me alimentei exclusivamente disso e pão, pois a comida é intragável, à base de carneiro: guisado de carneiro, carneiro cosido, carneiro com umas ervas desconhecidas do ocidente, enfim... Carneiro ao diabo, com horrível gosto de sebo.

Alguns restaurantes anunciam comida francesa, porém, tudo tinha gosto de sebo de... Carneiro!

De par com os carros seguiam camelos bamboleantes e carregados, enorme quantidade de jumentos, cavalos, tudo misturado e na mais santa conveniência (mesmo no centro da cidade isso acontece em meio a balburdia de um tráfego intenso e desorganizado, é o que me pareceu).

Ao longe já se avistava o areal do deserto e a primeira vila surgiu – era Sakkara, uma comunidade milenar com um estranho cemitério. Descemos para um vista d’olhos. Pirâmides menores, esfinges reproduzindo a maior, enfileiradas, além do campo santo. Tudo pobre e primitivo. As crianças acorriam ao nosso encontro pedindo “backshich” e oferecendo-nos florzinhas silvestres saídas não sei de onde naquele vasto areal.

Partimos, e o Nilo – manancial abençoado que faz com que o egípcio sobreviva – me apareceu sem águas azuis, sem me dar a impressão sequer de que no fundo daquelas águas os crocodilos dormem.

Por fim, na imensidão do deserto, as três grandes: Cheops, Mikerinos e Giseh. À medida que os dois carros da excursão avançavam meus olhos divisaram alguma coisa como uma estranha depressão encravada numa delas. A distancia não me permitia distinguir se era animal ou humana criatura. A areia é cheia de dunas e os carros param antes, por motivos óbvios.

Mas o que seria aquele “objeto” encaixado na pirâmide? Nossos pés se enterravam na areia cheia de pedregulhos e eu, como sempre com imaginação fértil à solta, já “via” escorpiões e certas espécies de serpentes que ali habitam. Pisava com cuidado, principalmente quando passava por montículos de pedras maiores onde os bichos podiam se ocultar.

Ah... Agora já distinguia nitidamente o “motivo” da minha curiosidade. Num recôncavo, com a forma de um nicho, se ocultavam dois namorados esquecidos do mundo, esquecidos de tudo ao redor para só se abismarem no amor em pleno deserto. Não tomaram conhecimento da nossa presença e lá ficaram amando-se doidamente. Daí se conclui que o amor é uma força universal que remove quaisquer obstáculos para sobreviver. Esta idéia me parece bastante acaciana (Conselheiro Acácio, Eça de Queiroz), mas é fato.

Íamos, por fim, penetrar naquele colosso de granito construído com o sangue de milhares de escravos – Cheops, a maior delas. Subimos por uma escada lateral no exterior ainda, e o guia da frente apontou-nos uma porta, na verdade um simulacro de porta – era um buraco escuro e tenebroso.

Em fila indiana principiamos a escalada por uma espécie de prancha com ripas estreitas que constituíam os degraus. O caminho, quase totalmente às escuras, não fosse a lanterna dos guias. A subida fica mais íngreme e tudo ressumbra a solidão e morte.

De repente vê-se uma parede vedando tudo à nossa frente e tem-se a impressão que se está sendo enterrado vivo. Como prosseguir? O guia aponta para baixo e vemos um buraco estreito por onde se deve passar rastejando como cobra. Tudo é pedra, penumbra e silencio. Quem sofre de claustrofobia não deve entrar nas pirâmides. Depois de transposto o “buraco” vai-se dar num cubículo de um metro e meio mais ou menos para um pouco de “repouso” do primeiro lance.

A essa altura o coração da gente já está arrítmico e quase chegando à garganta. Pior a emenda que o soneto pois este cubículo se assemelha a uma “solitária” e não tem portas nem janelas, nada, apenas quatro paredes de pedra e dois buracos de entrada e saída. Existem mais uns dois ou três cubículos idênticos (não me lembrei de contá-los) até que se chega ao topo e penetra-se nos salões.

Nessas salas imensas estão as tumbas que outrora continham as múmias dos faraós. Como estes eram enfaixados com todas as suas jóias e riquezas, muitos foram os salteadores que conseguiram profanar os túmulos, roubando as múmias. Já tinha visto muitas delas no famosoMuseu do Cairo e no British Museum, em Londres.

As paredes estão cobertas de hieróglifos em cores e emprestam um aspecto mais decorativo e alegre ao ambiente sepulcral. Há ventilação natural lá dentro, através de orifícios estrategicamente colocados nas paredes e que dão para se meter um braço. Enfiei o meu para sentir a aragem e o americano gritou: “cuidado, pode haver cobras e aranhas”, porém o guia tranqüilizou-nos, não havia qualquer ser vivente ali dentro.

Preparamos a volta pelo mesmo caminho, mas uma surpresa nos estava reservada. A descida seria de costas; não se pode voltar normalmente por que há um deslocamento de ar muito forte, suponho seja este o motivo. Éramos impelidos uns contra os outros e se não me apegasse com força aos velhíssimos corrimões, ia-se estatelar lá embaixo no abismo.

Quando vi de novo a luz do sol senti certo alívio, embora fosse este um dos meus sonhos, entrar um dia nas pirâmides.

Cá fora inúmeros cameleiros ofereciam-nos as bestas para uma volta pelo deserto, por 25 piastras. Ninguém se animou a montar um camelo, exceto o “boy” americano e eu, sempre disposta à sensações inéditas.

Mesmo deitado o camelo é enorme e eu, nada aprouvido de altura, foi necessário que o guia me pusesse na sela. Quando o bicho se pôs de pé (levanta primeiro as patas dianteiras) eu quase voei daquelas grimpas (ponto mais alto, cocuruto). O camelo rebola feito uma bailarina em câmera lenta. Gritei para o menino que o puxava parasse, o negócio é horrível e não oferece segurança alguma. O arabesinho desandou a rir e continuou imperturbável a volta para ganhar, é lógico, as 25 piastras. O búlgaro bateu algumas fotos minhas, montado e... apavorado. Não resta dúvida que foi uma experiência insólita e que não desejo repetir jamais.
     Na volta uma visita à Cidadela constituiu um deslumbramento, principalmente por causa da mais rica e monumental mesquita que, lá do alto, domina a cidade; avista-se toda ela e sua extensão muito plana, e até mesmo o contorno das pirâmides, embora diluídas pela distância.

Foi naquela Cidadela que Mehenet Ali massacrou os mamelucos, atraindo-os a uma cilada.

Comemorava-se à época o Ramadan, nono mês do ano muçulmano, consagrado ao jejum completo.

Percorri durante essas festividades inúmeras mesquitas, suntuosas umas, humildes outras, assistindo às cerimônias onde a fé se confunde muitas vezes com o fanatismo. Não existem bancos lá dentro ou qualquer outro assento e os árabes se postavam naquela atitude de oração, absortos e imóveis, deitados com o rosto para a terra ou aglomerados em grupos, tendo ao lado pratos de comida que exalavam um cheiro acre e insuportável. Suponho que aquele alimento só seria deglutido ao término do jejum. Até lá, santo Deus, como estaria?

À porta velhos de barbas patriarcais disputavam a primazia de descalçar-nos e colocar-nos as pantufas obrigatórias naquele chão sagrado para eles. É desnecessário acrescentar que a disputa girava em torno do “backshish”...

Belíssimas procissões percorriam as ruas, com estandartes em profusão e filas de cavaleiros nas suas montarias ricamente ajaezadas (com todos os arreios e ornados, camelos e cavalos). Do alto dos minaretes (pequenas torres das mesquitas), os “muezzin” conclamavam os fiéis à oração e todos se prostravam ao culto de Mahomet – o seu profeta.

O egípcio é barulhento e arma uma algazarra tão estridente nas ruas e praças que se pensa logo numa “briga de foice” ou qualquer motim violento. Nada disso, simplesmente conversam, trocando impressões ou perguntando pela família um do outro. Da janela do hotel que dava para a “Praça de Ataba”, ou seja, a praça do mercado, ouvia-se o tumulto. Note-se que estava alojado no nono andar.

Andei pelas ruas do Cairo só, sem qualquer pessoa que me incomodasse, nem mesmo os mendigos, a não ser na festa do Ramadan à porta das mesquitas.

Disseram-me que aventurar-me a noite por aquela vielas misteriosas constituía um grande risco, maior ainda se estive sozinho. Nada aconteceu e até ouvi galanteios ditos em francês por pessoas com ares civilizados.
Quanto ao povo humilde que ainda usa os caftans listrados, senti nele uma respeitosa distancia embora se mostrasse afável e educado.

Entrei em botecos reles para comprar cigarros, por sinal muito bons, e me misturei à turba, que me ensurdecia com a sua algaravia tonitruante. Os mais abusados eram os “turcos” do mercado, que me puxavam pela manga, mas com um só propósito – vender. Cada qual queria que eu desse preferência pela sua barraca.

Fui dar uma olhada no “Shepherd’s”, onde gostaria de ter me hospedado e isso por motivos sentimentais. Explico. É o velho hotel onde esteve Eça de Queiroz em 1869, na sua histórica visita ao oriente em companhia do Conde de Rezende, pois tinham sido convidados a assistir a inauguração do Canal de Suez. Eça é para mim uma religião – um culto de que sou dos mais fervorosos adeptos.

Valeu a pena uma visita ao Museu Do Cairo para ver os tesouros de Tutankamon que morreu em plena adolescência. Foi somente em 1922 que um explorador de nome Carter descobriu os tesouros do jovem faraó. Carter e os outros que rebuscaram ou tiveram contato com essas maravilhas morreram misteriosamente, nascendo daí a lenda de uma maldição. Seus objetos pessoais, armas de caça, móveis, onde se destaca o berço em que se criou, estão abarrotados de puro ouro maciço e pedras preciosas. As feições delicadas de Tutankamon lá estão numa impressionante cabeça toda feita de ouro e lápis-lazúli.

Meu objetivo maior ao conhecer o Egito era penetrar nas Pirâmides e isto eu consegui, embora confesse que a aventura teve um certo sabor de decepção. Não obstante a beleza do deserto, aqueles salões sombrios com suas tumbas vazias não compensaram a dificuldade da subida e mais ainda a volta insólita: de costas e aos trancos e barrancos.

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I am one of those guys with a fat address book - maybe because all my friends tell I'm charming and clever! But as far as I´m concerned, friendship is a club of seven people which was fully by the time I was 25. We all share the same interests, and we don´t make any demands on one another in emotional terms - which is something I would avoid like the plague. It´s not that I don´t like making new friends easily...They have to cativate me at first...We all grew up in the same social, professional and geographical world that we now occupy as adults. The group of seven offers me as much security and intimacy as I require!