Saturday 29 January 2011

GOLD LAND...


Um Reino Dourado   


     São seis horas da manhã de um dia luminoso em Johannesburg – cidade do ouro – cognome justificado pelo fato de a África do Sul produzir 77% do ouro do mundo livre e ter também a segunda reserva mundial de diamantes.

     Do ponto de vista econômico esta nação é pois considerada uma grande potencia. Johannesburg está alinhada entre as mais importantes metrópoles, porém não se pode achá-la das mais belas.

      Muito moderna, com seus arranha-céus varando o espaço, lembra New York e como a Leviatã (monstro do caos) dos States, sua população é muito cosmopolita e mesclada de negros e brancos do tipo nórdico.

     A maior parte dos brancos descende de colonos franceses, ingleses e alemães. Como o Brasil também foi descoberta (no século XV) por navegadores portugueses, porém a civilização ocidental foi trazida pelos holandeses que se fixaram no Cabo em 1652.

     Mais tarde foi a vez dos huguenotes franceses e o grupo de imigrantes que se seguiu, o dos colonos britânicos, que chegou em 1820.

     O quarto grupo, de alemães, no inicio relativamente diminuto, tornou-se significativo, com a presença dos missionários teutônicos, que gozavam de grande influência e atrairiam mais gente para o país.

     Há também uma porcentagem expressiva de indianos que aportaram em toda a África do Sul contratados para as plantações de cana-de-açúcar. O numero de hindus cresceu mais tarde com os que vieram por vontade própria e se estabeleceram como artífices e comerciantes.

     Ressalte-se, ainda, a importância da contribuição judaica, cuja comunidade, atualmente com cerca de 150 mil membros, vem trazendo bastante progresso, tanto nos aspectos culturais como científicos, políticos e comerciais. Também eles, os judeus, estiveram entre os pioneiros, desde 1652. A maioria dos israelitas está localizada em JohannesburgCape Town, Port Elizabeth e Pretoria, a capital administrativa.

     Muitos concorrem com o seu tino comercial para a indústria da lã, importando carneiro da França. Igualmente intensificaram a indústria da tecelagem trazendo as primeiras cabras angorá e a cidade de Cudsthoorn foi cognominada de a Pequena Jerusalém, pois lá se concentra o grande número de judeus que começaram o comércio de plumagem de avestruz.
     A educação é uma das mais avançadas e as escolas são consideradas as melhores do mundo judaico: a criança recebe instrução a partir do primário até o vestibular.

Os israelitas mantém instituições de longo alcance social, destinadas a anciãos, órfãos e deficientes físicos. Museus, sinagogas, monumentos e edifícios imponentes em Johannesburg confirmam a atuação positiva desse povo malsinado injustamente, mas tão laborioso e empreendedor.

     Eles impõe ainda sua presença através da imprensa, através de quatro jornais, publicados em Johannesburg, em inglês, além do “African Jewish Newspaper”, publicado em lidiche.
     Entre os grupos étnicos estão os bantos, com suas nações de fortes tradições. São osZu­lus, Xhosa, Tsuana, Sepedi (Soto do Norte), Seshoeschoe (Soto do Sul), Xangana, Suazi, Venda, Ndebele do Sul e Ndebele do Norte.

     Os Bantos se comunicam através de inúmeros idiomas e dialetos, embora falem também o africâner e o inglês, preferem a sua língua variada. Estes idiomas oficiais, derivam, o primeiro, do holandês do século XVII e constituem a língua materna de 60% dos brancos e 90% dos mestiços. Os restantes, brancos e mestiços, falam inglês.

     Uma das questões mais angustiantes que convulsionava o país era a do “apartheid”, inadmissível, num mundo em ascensão como este.

     Nesses 15 dias de visita procuro observar o fenômeno. Pode-se assim dizer que está presente nas ruas, nos estabelecimentos públicos e particulares e nos templos religiosos. Parece-me que o problema, embora não erradicado (e creio que jamais o será totalmente) decresceu um pouco e já existe uma espécie de quase, diria, confraternização entre brancos e negros. Pelo menos vejo ambas as raças se misturando nos ônibus, trens e até em hotéis.

     Embarcando para Pretoria de trem vejo escrito em alguns carros as palavras “white” e “black”, mas esses letreiros já tem suas cores desmaiadas, até pouco legíveis, o que já é um bom sinal.

   
E lá dentro eu, que por coincidência, entrei num “white” e vejo lá sentados, indiferentemente, negros e brancos, lado a lado. Surpreendente, não? Sabia-se pela imprensa de uma separação odiosa em outros tempos, em que até as calçadas por onde transitavam os brancos eram vedadas aos negros. Estas e outras dicotomias já não existem e eu que estou vivenciando está situação no momento já não a encontro.

     À guisa de intróito, detive-me um pouco sobre esta cidade tentacular que reflete bem o espírito da África do Sul, para que se conheça um pouco das raízes desta nação e de seus problemas sociais tão repisados na imprensa mundial quanto ao seu racismo ferrenho.

     Seis horas da manhã: este é o momento em que se tem inicio uma aventura que pressinto fascinante e razão primordial da minha estada aqui.Encaminho-me para a maior reserva animal do mundo - o National Kruger Park - , com sua área maior que o estado do Rio de Janeiro e do Massachusetts, é o que me informam. Fica no Transvaal Oriental e a distancia de Johannesburg até o Park é de mais ou menos 1.000km. Atravessamos cidadezinhas, aldeias, pegamos estradas diversas, modernas umas, poeirentas e de barro outras, e lá pelas 7 da noite acampamos em Skukusa (nas proximidades há um pequeno aeroporto com o mesmo nome, para quem deseja ir de avião).


     O “apartamento” (reservado à ultima hora) não tem banheiro privativo, sendo necessário uma possante lanterna para se alcançar o coletivo a uns cem metros das cubatas (choça de palha). Estas são bastante toscas, de sapê, exatamente como se vêem nos filmes de Tarzan. De feitio cônico, comportam um ou dois leitos, um lavatório, um armário e um velho espelho. Tudo muito primitivo, que se há de querer mais? Não estamos em plena selva?

     Rápida vistoria: a cama está limpa, o chão batido, mas varridinho. Abaixo-me um pouquinho mais e vejo um estranho que desde os tempos imemoriais desapareceu do uso doméstico, uma vez que as comodidades do progresso já alcançaram os mais longínquos rincões do nosso país, acredito. Cheguei a gargalhar com tal inusitado achado. Simplesmente um vaso noturno, que se convencionava chamar de urinol, e mais prosaicamente ainda, de penico. Lá estava de borco, branquinho, quase imaculado.

     Decididamente, não o usaria. Preferia aventurar-me pela escuridão da noite em demanda dos toaletes coletivos (sem lanterna) do que, ao supremo do ridículo, atender minhas necessidades fisiológicas naquele penico.


     Jamais, mas cadê coragem, quando a noite avançava misteriosa, ocultando talvez mil olhos de feras à espreita para um festim macabro, no caso, a minha carne branquinha? As fogueiras já tinham se consumido e o que fazer, senão entreabrir a porta e dar uns passos sorrateiramente pelas imediações? Foi o que fiz. Esvaziei a bexiga que ameaçava estourar e voltei a passos largos.

     Falei das fogueiras e há um detalhe interessante: ao anoitecer, surgiam como abantesmas (fantasmas), não se sabe de onde, negras tribais que, silenciosas como num ritual, iam acendendo uma a uma, enormes fogueiras em frente a cada acampamento. Acheguei-me para uma delas e ousei perguntar o motivo daquilo. Ela apenas sacudiu os ombros como se pouco lhe importasse responder ou não, e continuou a tarefa, tão muda quanto uma esfinge. Seria muda, ou só falaria o dialeto complicado dos Bantos? Duas conclusões diante do imprevisto: fogo para espantar os mosquito ou... as feras, o que sem dúvida seria um tanto aterrorizante.

     Mas não para mim que adoro animais, selvagens ou não, e os prefiro ao bicho homem, capaz de matar por crueldade inata enquanto que a pobre leoa só sairia à caça para sacia a sua fome a de seus filhotes.



     De fato, as cubatas não estão totalmente isoladas da bicharada, havendo até a possibilidade, embora remota, de se acordar com um leopardo “arranhando” o telhado de nossos “apartamentos”. Estes foram construídos numa grande clareira e o fogaréu, agora estou certo, manterá as feras longe dali, pelo menos até que todos se recolham.

     Lembra-me um filme passado nas regiões do antigo Congo Belga, quando uma chita trepava numa cabana dessas e, prestes a varar o teto de sapê, era abatida por tiro certeiro do herói que corria a salvar a mocinha e tudo terminava, como sempre, no “happy end” do beijo. Saudosos tempos de criança quando eu acorria desesperado á TV na hora das aventuras de Tarzan.


     Fatigado da viagem mas excitado com a antevisão do dia seguinte, continuava a sonhar de olhos abertos, pronto para viver as primeiras emoções.

Às 4 da madrugada o guia bateu na porta, avisando que íamos sair dentro de 15 minutos. Foi só o tempo para uma pequena ablução (banho ligeiro) e a troca de roupa para realizar o desejo ardente do menino romântico que fui, de “habitar”, ainda que por quatro dias apenas, a selva africana, e em convívio direto com a sua fauna riquíssima.

     As duas kombis partiram e eu seguia muito alvoroçado e até falante com os desconhecidos companheiros de aventura (um inglês, um casal de irlandeses, um alemão casmurro porque só falava seu idioma e uma senhora brasileira). Este o nosso grupo.

     O guia, a certa altura, foi detendo a marcha do veículo lentamente, porque como experimentado conhecedor do ambiente, sabia que o “espetáculo” ia começar. Dito e feito. Virou-se para nós e exigiu silencio para não espantar os donos absolutos daquele mundo, mundo novo pra mim, freqüentador de zoológicos de boa parte do universo, mas neófito (novato) quanto à vida livre dos animais em pleno “habitat”.

     O rapaz estendeu o braço apontando à direita e o que vimos foi uma família inteira de leões confabulando e, com certeza, distribuindo as tarefas do dia, tarefas essas afetas exclusivamente ás fêmeas. O majestoso rei sacudiu a sua juba e arreganhou as fauces (parte interior, superior e inferior da goela), ávidas do desjejum que já tardava. As leoas saíram em câmera lenta, prontas para a busca da primeira refeição, e esta não se fez esperar.

     Um bando de incautos Kudos (uma das mil espécies de cervídeos) dessedentava-se na fresca água de um regato. Uma das leoas foi se abaixando até tocar o solo com a barriga e num cálculo preciso, quase matemático, deu um salto que nunca supus fosse tão extenso para um animal tão pesado. Os Kudos espavoridos, tresmalharam em disparada, mas um deles já estava de garganta estraçalhada na boca do animal que o foi arrastando com a satisfação do dever cumprido – garantia de alimento do seu amo e senhor e das suas crias. Cá como lá, sempre a lei dos mais fortes e foi penoso para meu sentimentalismo zoófilo assistir a cena do inocente Kudo sendo devorado pela família feliz.

     A jornada se prosseguia e espetáculos como este iam se sucedendo a todo o momento, para meu desgosto. As maiores vítimas, sempre as zebras, corsas e javalis. Carcaças ainda sangrentas, espalhadas pela estrada estreita por onde as Kombis passavam, mostravam que já havia passeado por ali outra leoa ou uma chita. Os espertos e pequeninos chacais seguiam aos pares, guardando certa distância desses “caçadores” de porte, para aproveitarem as sobras.


     O motorista teve que parar muitas vezes por engarrafamentos de trânsito muito originais: ora uma manada de gnus, ora de búfalos horrendos, mas de olhar meigo, peculiar aos bovinos, e sobretudo elefantes um tanto neuróticos pela invasão de seus domínios, interceptavam o nosso caminho barrindo e sacudindo as gigantescas orelhas.

     Ai, foi realmente um delírio ter a dois metros dos meus olhos aquela multidão. Contei mais de cem búfalos e perdi a conta dos elefantes porque uns muito grandes sobrepujavam os menores e era enorme a quantidade de filhote que andavam quase colados às barrigas das mães desconfiadas.

     A variedade de macacos punha uma nota de comicidade na excursão: faziam caretas, pulavam a frente das Kombis, subiam nos tetos, exibiam os bebês mamando nos peitos magros, o que me trouxe sérias reflexões sobre se Darwin tinha razão...

     Fartei a vista com leões, hienas, kudos, springboks, rinocerontes, hipopótamos, zebras, leopardos e crocodilos. As esbeltas girafas estavam coalhadas de passarinhos que lhe catavam insetos no dorso e elas pareciam muito felizes por se verem livres dos incômodos parasitas, ao passo que os pássaros também se regalavam com o “delicioso repasto”.

     A selva africana não é muito densa e a ausência de chuvas por um largo período mostrava uma vegetação extremamente árida, deixando os herbívoros à fome, pois se viam bandos de girafa tentando colher o último galhozinho verde, algo raro naquela medonha estiagem.

     Só à beira dos riachos e pedreiras com quedas d’água é que se notava um pouco mais de verdura e, ali sim, abundava toda espécie de cervídeos: antílopes, palancas, impalas, kudos, springboks (este último, símbolo do país). Ai deles, coitados, que na sua docilidade ingênua serviam sempre de alimento aos carnívoros.

     Atravessamos toda a floresta e a fome já me dava engulhos, principalmente quando o carro ia aos solavancos em algum trecho de difícil acesso, e também pela visão sanguinolenta das carcaças de bichos recém devorados. Isto se repetiu por três dias, sempre acordados de madrugada pelo guia implacável que nos dava apenas quinze minutos para aprontar-nos e entrar no veículo.
     Voltei realizado mas com uma sensação triste ao mesmo tempo, diante do que presenciei: a destruição dos mais fracos pelos poderosos senhores da selva. Não é esta também a lei dos homens?

     Despeço-me da bela África, pretendendo voltar pela quarta vez, mas com a ressalva de não mais querer assistir de novo o espetáculo da luta pela sobrevivência dos mais fracos e o regozijo dos leões e chitas. Pelo menos nos jardins zoológicos do mundo eles se limitam a comer carne morta oferecida pelos tratadores.

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I am one of those guys with a fat address book - maybe because all my friends tell I'm charming and clever! But as far as I´m concerned, friendship is a club of seven people which was fully by the time I was 25. We all share the same interests, and we don´t make any demands on one another in emotional terms - which is something I would avoid like the plague. It´s not that I don´t like making new friends easily...They have to cativate me at first...We all grew up in the same social, professional and geographical world that we now occupy as adults. The group of seven offers me as much security and intimacy as I require!